sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

25 ANOS DE PADRE

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NO DIA 07 DE DEZEMBRO 2010


A Igreja de Uberaba reuniu-se neste dia 07 de Dezembro para juntos celebrar os 25 ANOS de vida sacerdotal, foi um momento muito significativo para a Igreja de Uberaba, Dom Benevente, Mons. Paulo, e Pe. Junior

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Leonardo Boff encara a batalha da mídia

Boff é apoiador de primeira hora de Marina Silva. Nem por isso, deixa de indignar-se com o papel cumprido pela velha mídia brasileira.

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A MÍDIA COMERCIAL EM GUERRA CONTRA LULA E DILMA

por Leonardo Boff

Sou profundamente a favor da liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso”pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.

Esta história de vida, me avalisa fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.

Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e xulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discusão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.

Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido à mais alta autoridade do pais, ao Presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.

Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.

Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma) “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e nãocontemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence (p.16)”.

Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles tem pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascedente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidene de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.

Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e de “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.

O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.

Outro conceito innovador foi o desenvolvimento com inclusão soicial e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.

O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela VEJA faz questão de não ver, protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.

O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e no fundo, retrógrado e velhista ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes.

Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das má vontade deste setor endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construido com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.

*teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

sábado, 25 de setembro de 2010

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 26º DOMINGO DO TEMPO COMUM

HOMIIA – PE LUCIMAR
A liturgia deste domingo propõe-nos, de novo, a reflexão sobre a nossa relação com os bens deste mundo… Convida-nos a vê-los, não como algo que nos pertence de forma exclusiva, mas como dons que Deus colocou nas nossas mãos, para que os administremos e partilhemos, com gratuidade e amor.
Na primeira leitura, o profeta Amós denuncia violentamente quem vive no luxo à custa da exploração dos pobres e que não se preocupa minimamente com o sofrimento e a miséria dos humildes.
O Evangelho apresenta-nos, através da parábola do rico e do pobre Lázaro, uma catequese sobre a posse dos bens.
A segunda leitura não apresenta uma relação direta com o tema deste domingo… Traça o perfil do “homem de Deus”: deve ser alguém que ama os irmãos, que é paciente, que é brando, que é justo e que transmite fielmente a proposta de Jesus.
LEITURA I – Am 6,1a.4-7
Para a reflexão e partilha, considerar as seguintes questões:
o O quadro pintado por Amós descreve, em pormenor, situações bem conhecidas de todos nós… Pensemos nas festas do Oscar e nas quantias gastas em roupas, em jóias, em perfumes, por aqueles que as freqüentam; pensemos nas quantias gastas em noites de cassinos por gente que paga miseravelmente aos seus operários; pensemos nos governantes que malbaratam os dinheiros públicos e que nem sequer vão a tribunal porque há sempre uma maneira de fazer com que o crime prescreva… E, por contraste, pensemos nos que arriscam a vida em obras perigosas, porque o patrão não quis gastar uns trocos com sistemas de segurança; pensemos naqueles que ganham salários mínimos, trabalhando duramente, mas que ao fim do mês não têm dinheiro para pagar o infantaria dos filhos; pensemos nos trabalhadores clandestinos que não recebem o salário ao fim do mês, porque o patrão desapareceu sem pagar; pensemos naqueles que recebem pensões de miséria e que vivem em condições infra-humanas porque a sua magra reforma mal dá para pagar os medicamentos… Um cristão pode conformar-se com estes contrastes? Que podemos fazer? Como reivindicar, com coragem profética, um mundo mais parecido com o projeto de Deus?
o Convém, também, aplicarmos o questionamento que a mensagem de Amós exige a nós próprios… Muito provavelmente, não freqüentamos as festas de pompas, nem usamos dinheiros públicos para pagar os nossos divertimentos e esbanjamentos… Mas, numa escala muito menor, não teremos os mesmos vícios que Amós denuncia nesta classe rica e ociosa? Não nos deixamos, às vezes, arrastar pelo desejo de ter, comprando coisas supérfluas e impondo sacrifícios à família para pagar as nossas manias de grandeza? Não gastamos, às vezes, de forma descontrolada, para pagar os nossos pequenos vícios, sem pensar nas necessidades daqueles que dependem de nós? E os religiosos e religiosas com voto de pobreza não gastam, às vezes, de forma supérflua, esquecendo que vivem das ofertas generosas de pessoas que têm menos do que eles?

EVANGELHO – Lc 16,19-31

A parábola tem duas partes.
Na primeira (vers. 19-26), Lucas apresenta os dois personagens fundamentais da história, segundo um clichê literário muito comum na literatura bíblica: um rico que vive luxuosamente e que celebra grandes festas e um pobre, que tem fome, vive miseravelmente e está doente. No entanto, a morte dos dois muda radicalmente a situação. Nesta história, Jesus ensina que não somos donos dos bens que Deus colocou nas nossas mãos, ainda que os tenhamos adquirido de forma legítima: somos apenas administradores, encarregados de partilhar com os irmãos aquilo que pertence a todos. Esquecer isto é viver de forma egoísta e, por isso, estar destinado aos “tormentos”.
Na segunda parte do nosso texto (vers. 27-31), insiste-se em que a Escritura – na qual os fariseus eram peritos – apresenta o caminho seguro para aprender e assumir a atitude correta em relação aos bens. O rico ficou surdo às interpelações da Palavra de Deus (“Moisés e os Profetas”) e isso é que decidiu a sua sorte: ele não quis escutar as interpelações da Palavra e não se deixou transformar por ela. O versículo final (vers. 31) expressa perfeitamente a mensagem contida nesta segunda parte: até mesmo os milagres mais espetaculares são inúteis, quando o homem não acolheu no seu coração a Palavra de Deus. Só a Palavra de Deus pode fazer com que o homem corrija as opções erradas, saia do seu egoísmo, aprenda a amar e a partilhar.
A história que nos é proposta é uma ilustração das bem-aventuranças e dos “ais” de Lc 6,20-26… Anuncia-se, desta forma, que o projeto de Deus passa por um “Reino” de amor e de partilha. Quem recusa esse projeto e escolhe viver fechado no seu egoísmo e auto-suficiência, não pode fazer parte desse mundo novo que Deus quer propor aos homens.
PISTAS
A reflexão e partilha podem partir das seguintes questões:
o Como me situo face aos bens? Vejo os bens que Deus me concedeu como “meus, muito meus, só meus”, ou como dons que Deus depositou nas minhas mãos para eu administrar e partilhar?
o Por muito pobres que sejamos, devemos continuamente interrogar-nos para perceber se não temos um “coração de rico” – isto é, para perceber se a nossa relação com os bens não é uma relação egoísta, monopolista, exclusivista (há “pobres” cujo sonho é, apenas, levar uma vida igual à dos ricos). E não esqueçamos: é a Palavra de Deus que nos questiona continuamente e que nos permite a mudança de um coração egoísta para um coração capaz de amar e de partilhar.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Comentário Exegético – XXI Domingo do Tempo Comum (Ano C) dia 22 de Agosto

INTRODUÇÃO: Como todo pai, Deus também usa da correção ou castigo para reformar condutas que de outro modo seria difícil ou impossível emendar. Claro que sua correção é dolorosa, mas finalmente serve para uma vida honrada e pacificamente serena. Fortalece os mais fracos e robustece os pés vacilantes de quem se encontra como parcialmente impossibilitado de caminhar. O autor fala do exemplo de Cristo que sofreu um máximo castigo sendo inocente. Até agora –diz ele- não derramaste o sangue. E por isso, exorta de novo seus designatários.

A CORREÇÃO: E tendes esquecido a consolação que a vós, como filhos, argui: Filho meu, nãomenosprezes a correção do Senhor, nem desanimes quando castigado (5). Et obliti estis consolationis quae vobis tamquam filiis loquitur dicens fili mi noli neglegere disciplinam Domini neque fatigeris dum ab eo argueri. CONSOLAÇÃO [paraclësis <3874>=consolatio]. O grego tem a mesma raiz que parakletos [=consolador ou confortador como advogado defensor]. Podemos falar de conforto, consolação, consolo, alívio. Um exemplo: Simeão que esperava a consolação de Israel (Lc 2, 25). ARGUI [dialegetai<1256>=loquitur] presente do verbo dialegomai com dois significados diferentes: pensar, matutar ou ponderar; e logo, como conversar, arguir, discutir. Com esse segundo sentido temos Mc 9, 34: Eles [os discípulos] discutiam entre si pelo caminho quem seria o maior. A JKV usa speaks, ou seja, diz e a TEB se dirige que é mais fácil de interpretar. MENOSPREZES [oligöreö<3643>=neglegere] o verbo grego é descuidar, despreocupar-se, negligenciar, menosprezar, desdenhar. É apax neste versículo. CORREÇÃO[paideia<3809>=disciplina], o grego significa o conjunto de ações para a educação de um menino, como o ensino, as ordens, admoestações, repreensões e especialmente os meios coercitivos, como o castigo. O vocábulo sai 4 vezes neste capítulo 12 com o mesmo significado que a JKV traduz sempre como chastening [castigo, punição] e que a TEB traduz como correção, sem dúvida de um modo eufemístico, já que o verbo usado mais tarde elegchö é repreender severamente, arreganhar e castigar. Traduzido como correção não descartamos o castigo, tão necessário nos tempos antigos em que o provérbio latino declarava pueri et naves per posteriora reguntur [crianças e naves são dominadas pelas partes posteriores]. DESANIMES [eklyö<1590>=fatigare] o verbo grego é desatar, soltar, afrouxar, enfraquecer, e em sentido metafórico, desanimar, enfraquecer, desmaiar. É com este sentido que em Mt 9, 36 se fala das multidões que estavam decaídas e exaustas como ovelhas sem pastor.

CASTIGADO[elegchomenos<1651>=argueris] é o particípio de presente passivo do verbo elegchö que significa condenar, corrigir, repreender e finalmente castigar. O sentido é que não devemos nos sentir desanimados pelas humilhações e sofrimentos que nos acompanham na vida. Porque são uma forma de educar-nos. No livro dos Provérbios 3, 11, lemos: Filho meu, não rejeites a disciplina do Senhor nem te enfades da sua repreensão, um texto em grego da Setenta que coincide palavra por palavra com o texto dos Hebreus

CORREÇÃO DO AMADO: Porque a quem ama o Senhor corrige; açoita, porém, todo filho que acolhe (6). Quem enim diligit Dominus castigat flagellat autem omnem filium quem recipit. Temos aqui a razão dessa regra que podemos chamar de universal: O Senhor [Deus] corrige a quem ama. O verbo paideuö [<3811>=castigare] tem a mesma raiz que a palavra correção do versículo anterior. A correção é própria de quem ama, do amor; assim como a adulação corresponde ao que teme, ao servidor. Quem bem te quer te fará chorar, diz o provérbio, e é possível que a frase anterior de Hebreus tenha também um suporte proverbial. Em seguida, o autor afirma que Deus, a quem acolhe como filho, castiga [mastigoö <3146>=flagellare], com o significado de açoitar, usando o látego ou flagelo. Era o instrumento com o qual se castigava o escravo rebelde ou o filho culpável de uma falta grave. Mais tarde, será o cinto paterno o instrumento que seria usado com bastante frequência, até nos centros de educação inglesa como o próprio Churchil experimentou nos seus anos de juventude. Paulo sabia por experiência que para não se ensoberbecer, Deus lhe enviou um anjo de Satanás que me esbofeteasse. É interessante saber que em Pr 3, 12 a Setenta diz o mesmo que o autor dos hebreus e com as mesmas palavras gregas e na mesma ordem. Eis a tradução da RV: Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como o pai ao filho a quem quer bem, que outros traduzem como um pai ao filho querido.

O PAI CASTIGA: Se sofreis o castigo, como a filhos Deus vos trata: pois que filho há a quem pai não castigue? (7). In disciplina perseverate tamquam filiis vobis offert Deus quis enim filius quem non corripit pater. Um provérbio judeu diz: a doutrina do castigo é o silêncio. Melhor é ver no castigo uma bênção divina, como o Sl 94, 12: Bemaventurado o homem a quem tu repreendes. Pois do castigo segue-se uma conversão que de outro modo não seria possível. Assim lemos no Sirácida 23, 2: quem aplicará a vara a meus pensamentos e a disciplina a meu coração… para que não se multipliquem meus erros nem se acumulem meus pecados? A correção divina está motivada somente pelo amor divino para conosco, não pela justiça estrita que podemos igualar com vingança do olho-por-olho. Assim Paulo trata o incestuoso de Corinto, cujo corpo entrega a Satanás para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus (1Cor 5,5). O castigo se torna correção ou se preferimos causa de conversão, de reformar o que não faríamos de outro modo por desídia ou falta de compreensão. Sendo erro o segundo motivo, o primeiro já entra dentro do pecado, como vemos no versículo do Sirácida anteriormente citado. Melhor do que SOFREIS [ypomenö <5278>= perseverare] embora o significado seja o de suportar, continuar, permanecer, é melhor traduzir por sofrer. Assim é a tradução da TEB, com o qual o autor afirma que o sofrimento e a humilhação formam parte da pedagogia com a qual Deus, o Pai, ilustra e educa seus filhos.

BONS FRUTOS DO CASTIGO: Pois todo castigo, no momento, não parece ser de alegria, mas de tristeza; porém, finalmente fruto pacífico para os que por ele exercitados, produz boa conduta (11). Omnis autem disciplina in praesenti quidem videtur non esse gaudii sed maeroris postea autem fructum pacatissimum exercitatis per eam reddit iustitiae. É lógico que todo castigo, como sofrimento é, de imediato, causa de tristeza e não de alegria; mas deve ser considerado como uma ascese necessária para produzir frutos de boa conduta. Faltam nesta leitura epistolar os versículos 8, 9 e 10. É interessante ver como no 8 podemos ler: se estais privados de castigo…então sois bastardos e não filhos. Entende-se isto melhor, sabendo que o bastardo não estava ao cuidado do pai e este não se interessava pela sua educação, que, como temos antes descrito, frequentemente incluía o castigo. O fruto é de paz e de justiça (TEB). Ou frutos apassíveis de justiça (Nácar). A paz é um dom de Deus, como o expressou o anjo (paz aos homens) anunciando o nascimento do Messias (Lc 2, 14). Se recebermos o sofrimento/castigo como filhos que necessitam de correção, teremos paz e ao reformarmos condutas erradas, o fruto é justiça [dikaiosynë] que não é a justiça distributiva, mas a conformidade com a lei divina, que pretende se conformar com o aequum et bonum [justo e bom], neste caso com a vontade do Pai e que devemos traduzir como boa conduta [righteousness em inglês].

ANIMADOS: Por isso, as descaídas mãos e os trópegos joelhos restabelecei (12). Propter quod remissas manus et soluta genua erigite. Lemos em Isaías 35, 3 a mesma exortação: fortalecei as mãos frouxas e firmai os joelhos vacilantes. É a palavra do profeta diante da presença de Jahveh que pretende recorrer ao deserto transformado em vergel do Líbano com sua presença. É tempo de se levantar e trabalhar não de depressão e desânimo em que o pessimismo dá lugar a falta de esperança.
AO TRABALHO: E fazei sendas retas para vossos pés para que o coxo não se desloque, pelo contrário seja curado (12). Et gressus rectos facite pedibus vestris ut non claudicans erret magis autem sanetur. Parece concordar com Pr 4, 26-27:Traça um trilho para os teus pés e sejam seguros os teus caminhos. Não te desvies nem à direita nem à esquerda. Afasta os pés do mal. Em termos metafóricos, Provérbios descreve o que deve ser a atitude do cristão que está sujeito à correção divina e o triunfo final como corresponde a atitude de quem se acomoda com os desejos do Pai.
Evangelho (Lc 13, 22-30)

QUANTOS SÃO OS QUE SE SALVAM?

SEGUNDA PARTE DA VIAGEM: E caminhava pelas cidades e vilas ensinando e fazendo caminho em direção a Jerusalém (22). et ibat per civitates et castella docens et iter faciens in Hierusalem. No grande resumo doutrinal que constitui a viagem de Jesus desde a Galileia a Jerusalém, encontramos um segundo propósito da subida a Jerusalém, precisamente neste evangelho. Jesus atravessava cidades [polis] e pequenas aldeias [kome]. Lucas diz que isso era na sua viagem em direção a Jerusalém. É um marco literário para o evangelista emoldurar nele uma série de ensinamentos que Mateus recolhe no seu sermão da montanha. Um deles é o problema da salvação.

A PERGUNTA: Então lhe disse alguém: Senhor, se [são] poucos os salvos? Ele então lhes disse (23). Ait autem illi quidam Domine si pauci sunt qui salvantur ipse autem dixit ad illos. Alguém perguntou. É um recurso de Lucas para introduzir um tema em profundidade que Jesus, como Mestre, deve resolver. O interlocutor introduz sua pergunta com Kyrie [Senhor]. Logicamente não é o Kyrios, título do Ressuscitado, de quem tem o máximo poder na terra como representante do Deus vivo, como diriam os judeus. Sem dúvida que aqui é um título de respeito e cortesia de quem se espera uma resposta sábia. A pergunta indica uma base semítica clara. Não tem o verbo ser e, traduzida diretamente do grego, seria: Se poucos os salvados? É uma pergunta que hoje, como antigamente, forma parte de nossas ansiedades mais íntimas. Formaremos nós parte desses privilegiados? Porque se são poucos, estaremos em perigo de não ser contados entre eles.

A RESPOSTA: Lutai para entrar através da porta estreita porque muitos, vos digo, buscarão entrar e não poderão (24). Contendite intrare per angustam portam quia multi dico vobis quaerunt intrare et non poterunt. Não é uma resposta direta mas uma exortação para se preparar porque o tempo é curto e a entrada estreita. Sem dúvida que temos necessidade de ambientar a resposta, segundo os pareceres da época: 1o) Os judeus, que acreditavam na vida após a morte, afirmavam que a salvação era monopólio do povo escolhido, deles, pois (ver Mt 3, 9). 2o) Tanto a pergunta como a resposta estão limitadas pelas circunstâncias do momento. Trata-se de saber quantos dentre os contemporâneos de Jesus e do kerigma apostólico entrariam no Reino. Isto pode ser deduzido das palavras do versículo 25. Por isso Jesus exorta a lutar e se esforçar seriamente para entrar através da porta estreita, restrita e difícil que dá acesso ao banquete e separa o mundo exterior dos rejeitados, do mundo interno dos escolhidos. De fato, essa luta deu-se no início do cristianismo. O Reino dos Céus sofre violência (Mt 11, 12). Assim começa a pequena parábola que tem como ambiente o banquete de bodas.

A PARÁBOLA: Pois, do momento que entrar o dono e ter fechado a porta e começardes de fora, a estar de pé e bater na porta dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos; e respondendo vos diga: Não vos conheço de onde sois (25). Cum autem intraverit pater familias et cluserit ostium et incipietis foris stare et pulsare ostium dicentes Domine aperi nobis et respondens dicet vobis nescio vos unde sitis. Está dirigida aos contemporâneos de Jesus. Tem como lugar paralelo a parábola das dez virgens em Mateus 25, 1-13 e como comentários Mt 7, 13-14; 8, 11-12 e 21-23. Temos também como complemento a essas dificuldades do Reino nos primeiros anos de sua proclamação um comentário que Marcos recopila em 10, 24-25. Por isso dirá Jesus em Mateus que os filhos do Reino serão lançados fora, nas trevas (8, 12). Para entender a parábola de hoje devemos partir do fato de que Jesus compara a entrada definitiva no Reino com a resposta ao convite para um banquete de um rei pelas bodas de seu filho, como lemos em Mateus 22, 1-14. Ou em Lc 14, 15-24. Nesta pequena parábola do evangelho de hoje, Jesus não quer dar uma reposta definitiva ao número, porque depende de circunstâncias temporais. Mas bem se refere a seus conterrâneos e a seu tempo, tempo que ele magistralmente descreve como os dos que comiam e bebiam com ele, de modo que os ensinamentos de Jesus eram escutados nas suas praças (26). E é para esse tempo e esses homens que Jesus está falando. Realmente foram poucos os que entraram no Reino e Jesus foi rejeitado, tanto pelas autoridades judaicas como por grande parte do povo em geral. Desta forma se cumpria o que Jesus tinha previsto: Muitos desejarão entrar e não poderão fazê-lo. Porque a entrada não está aberta de modo contínuo. A porta será fechada pelo dono da casa e muitos ficarão de pé do lado de fora batendo à porta. Estes últimos pedirão: Senhor abre-nos! A resposta do dono será: Não conheço de onde sois.

NÃO VOS CONHEÇO: Então começareis a dizer: Comemos contigo e bebemos e nas nossas praças ensinaste (26). E dirá: Digo-vos, não vos conheço de onde sois. Afastai-vos de mim todos os fautores da maldade (26). Ttunc incipietis dicere manducavimus coram te et bibimus et in plateis nostris docuisti. Et dicet vobis nescio vos unde sitis discedite a me omnes operarii iniquitatis. E os pretendentes iniciarão sua identificação dizendo que ele, o dono da casa, tinha comido e bebido com eles e até ensinado nas suas praças. Tudo era verdade para os judeus do tempo de Jesus, na Palestina. E termina a narração repetindo: Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos os operários [ergates] da maldade [adikia]. O ergates é um operário, um trabalhador, exatamente como pede Jesus em Lc 10, 2: a colheita é grande os operários são poucos. Adikia significa coisa contrária à lei que pode ser injustiça, maldade ou iniquidade. A frase é uma cópia do Sl 6, 9: Afastai-vos de mim malfeitores todos. Que Mateus 7,13 traduz mais literalmente usando as mesmas palavras do grego dos setenta, ou seja, os que praticam a maldade. Por isso preferimos a tradução trabalhadores da maldade, ou operários do mal. Também no salmo 101, 8 lemos: A cada manhã eu farei calar todos os ímpios da terra, para extirpar da cidade de Javé todos os malfeitores [Ergazomenous ten anomian]. Deste modo se confunde adikia e anomia. No dicionário bíblico de língua inglesa adikia [sem justiça] sai 23 vezes traduzida como unrightneousness [injustiça] no sentido de não fazer o correto, e somente duas vezes como injustiça no sentido de ilegal. Anomia tem como tradução iniquidade (12) e na sua origem sem lei [lawlessness inglesa]. Não podemos traduzir a adikia, pois, como injustiça no sentido moderno de ir contra a virtude moral, de uma justa repartição de riquezas. Tem o sentido mais amplo de ser uma conduta contrária às normas da Torá ou lei divina.

A REJEIÇÃO: Lá haverá o pranto e o ranger de dentes, quando virdes Abraão e Isaac e Jacó e todos os profetas no Reino de Deus; mas vós lançados fora (28). Ibi erit fletus et stridor dentium cum videritis Abraham et Isaac et Iacob et omnes prophetas in regno Dei vos autem expelli foras. PRANTO E RANGER DE DENTES: É uma expressão usada muito frequentemente por Mateus (8,12; 13,42; 13,50; 22,13; 24, 51; e 25,30) Ela está unida ao lugar onde se encontram as trevas (3 vezes) ou a fornalha de fogo (2 vezes) e somente relacionada com os hipócritas (24, 51), que muitos traduzem por não dignos de confiança como em lugar paralelo de Lucas 24, 46, por ser uma deficiência do aramaico. No caso, Lucas usa a expressão de pranto e ranger de dentes, unicamente nesta passagem, indicando o lugar de fora, a exclusão do reino, ou banquete, onde estarão os três patriarcas representantes da fé e eleição de Israel. Estando fora do banquete, só encontrarão as trevas, pois não existindo luzes de rua, essa era a situação das mesmas à noite. Ao choro, ou melhor, às lamúrias próprias dos mendigos que clamavam por uma porção do jantar como esmola, unia-se o ranger dos dentes devido ao frio da noite ou à indignação de serem expulsos. Temos a tradição judaica que atribuía o ranger de dentes aos diabos no inferno; pois declaravam que à lisonja com a que bajulavam Coré, no caso da insurreição deste contra Moisés (Nm 16), o príncipe do inferno rangeu seus dentes a eles. O qual recebeu o nome de indignação ou tumulto do inferno. A frase aparece nos Salmos 35, 16 e 37,12 para expressar as injúrias dos ímpios contra os justos. No nosso caso seria para expressar o rancor contra o próprio dono da casa, seja o Senhor Jesus, seja o próprio Deus. A expressão, em Mateus, serve para indicar os castigos escatológicos como em 13,50, onde os que praticam o mal serão lançados na fornalha acesa onde haverá choro e ranger de dentes, como diz a conclusão da parábola da pesca onde se escolhem os peixes bons e se jogam os peixes proibidos. Podemos deduzir de tudo isso que o inferno será um lugar de fogo? Da expressão de Lucas é difícil argumentar definitivamente. Mateus se aproxima mais à ideia do inferno de fogo. Somente a Tradição resolverá o caso e tratará como formal um elemento que ao que parece é simbólico e narrativo.

PATRIARCAS E PROFETAS: Os três nomes são clássicos na literatura hebraica. Os profetas não acompanhavam o grupo de líderes dos escolhidos; porém, Lucas em várias ocasiões os agrupa como conjunto que forma parte do Novo Reino. E termina: vós mesmos sereis lançados fora do mesmo. Esta última conclusão indica que Jesus se refere aos seus ouvintes conterrâneos. E que foi uma decisão divina, esta de rejeitar o povo, ao qual até agora pertenciam os filhos do Reino, naturais herdeiros das promessas.

OS NOVOS HERDEIROS: E virão do Oriente e Ocidente e do Norte e Sul e se reclinarão no Reino de Deus (29). Et venient ab oriente et occidente et aquilone et austro et accumbent in regno Dei. Dos quatro pontos do mundo virão os novos membros, ou filhos do Reino. Já Isaías o profetizou: Para que se saiba até o nascente do sol e até o poente que, além de mim, não há outro (45,6;) que Malaquias completa dizendo que nesses limites é grande o meu nome e em todo lugar lhe é queimado incenso e trazidas ofertas puras, porque é grande entre as nações (1,11). Se realmente faltam os outros dois pontos, Norte e Sul os encontramos em 49, 12: virão do Norte e do Ocidente e outros da terra de Sinim, que alguns identificam com o sul da China. É importante que Jesus o afirme. São todos os povos convidados e de todos eles se formará o novo Reino, sem distinção, como diz Paulo dos dois povos até então inimigos Deus fez um só, pois ele [Cristo] é nossa paz, tendo derrubado o muro de separação e suprimido em sua carne a inimizade (Ef 2, 14).

A MORAL DA HISTÓRIA: Porque eis que há últimos que serão primeiros e há primeiros que serão últimos (30). et ecce sunt novissimi qui erunt primi et sunt primi qui erunt novissimi. Evidentemente nessa afirmação há duas asseverações dignas de reflexão: Não são todos os últimos, os primeiros; e vice-versa. A segunda é que fundados no parágrafo anterior, as duas classes diferentes são gentios e judeus. Estes pertencem ao grupo dos primeiros e aqueles ao grupo inicial dos últimos. Logicamente o juízo é baseado na formação do novo Reino.

PISTAS PARA HOMILIA

PISTAS: 1) Temos aqui um relato evangélico, aparentemente constituindo uma unidade tanto lógica como real. Porém, comparando-o com outros evangelistas vemos que é mais uma unidade lógica e redacional. Lucas escolheu um fim que é a moral da história e reuniu diversos materiais para escrever esta página que, separada do contexto, poderia ser tomada em termos absolutos e, embora Jesus não o afirme, nós o declaramos rotundamente, porque está na Bíblia: poucos são os escolhidos, os que se salvam, afirmamos.

2) Os evangelhos são relatos com bases históricas, mas com finalidade catequética ou apologética e por isso podem ser composições arbitrárias de fatos reais e palavras verdadeiras, que os evangelistas nem se atrevem a alterar. Assim o comprovam os lugares paralelos, porém usados com diferentes objetivos. Daí a diversidade nos contextos e conclusões.

3) Neste trecho nos encontramos com uma realidade que não podemos esquecer; pelo fato de ser circuncidados e pertencer ao povo eleito, o antigo Israel não foi salvo como um todo para entrar a formar parte do novo Reino, do novo Eon como agora se diz. Mas poucos foram os escolhidos, precisamente aqueles que tiveram que lutar e se esforçar contra corrente para entrarem, entre eles os que nada tinham a perder, os pequeninos, os que não eram sábios nem ilustrados [leídos] (Lc 10 21).

4) Fazendo uma apropriação parenética, a escolha do Reino deve ser imediata, não deixada para última hora, porque a porta pode estar fechada. Formamos parte do novo Israel, mas a conduta individual da qual depende em grande parte a escolha, é nossa responsabilidade. A prática da justiça, isto é, do bem [fazer a vontade do Pai] será a que nos torna verdadeiros discípulos e a que obrigará o dono a escolher e abrir a porta definitiva.

sábado, 31 de julho de 2010

ROTEIRO HOMILÉTICO DO XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C) - DIA 01/08/2010

Comentário Exegético - XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)
Epístola (Cl 3, 1-5. 9,1-11)

INTRODUÇÃO: Parênese de Paulo baseado na analogia da vida, cristã com a de Cristo: mortos à vida carnal e seus desejos, vivamos já a futura vida essa que está esperando-nos no mais alto dos céus, da qual a ressurreição de Cristo é penhor e testemunho.

RESSURGIDOS: Se, portanto, tendes ressurgido com Cristo, buscai as coisas do alto onde o Cristo está sentado na direita de (o) Deus (1). Igitur si conresurrexistis Christo quae sursum sunt quaerite ubi Christus est in dextera Dei sedens. TENDES RESSURGIDO do verbo [synegeirö<4891>=conresurgere] a tradução direita é erguer-se junto com. Logicamente Paulo refere-se à ressurreição de Cristo da qual toma como imagem o batismo que a ele nos conforma na morte e na ressurreição, pois após o mesmo, temos em nós uma nova vida conforme a da vida de Jesus atualmente à direita do Pai. Este é o ensino do versículo atual. Se, pois, temos uma vida nova é lógico que busquemos as coisas pertencentes a essa vida nova onde Cristo está como supremo poder delegado do Pai. SENTADO: a palavra lembra o trono próprio dos reis e poderosos governadores do mundo, como o faraó que diz a José: por tua palavra governar-se-á todo meu povo: somente no trono serei eu maior do que tu (Gn 41, 10). O Trono era o assento era disposto em plataformas graduadas e dossel, usado pelos monarcas e outras dignidades, especialmente em atos de cerimônia. Assim falou Betsabeia a Davi pedindo o trono para seu filho Salomão (1Rs 1, 17). Sentar-se no trono era, pois, sinal de realeza, como bem distingue o Faraó ao falar a seu primeiro ministro José, como temos citado anteriormente. O céu era o trono de Deus (Mt 5, 34). No plural era a terceira classe de anjos que formam o coro celestial. DIREITA [dexia<1188>=dextera] na realidade o lado bom do corpo, onde a força e o poder se demonstrava; e, no caso do trono, a dignidade do herdeiro tinha a primazia como no caso do primogênito do faraó:morrerá todo primogênito, desde o primogênito do faraó que se assenta no seu trono (Êx 11, 5). Como primogênito de toda criatura (Cl 1, 15) foi introduzido na terra dizendo Deus o Pai: adorem-no todos os anjos (Hb 1, 6). É precisamente o objetivo do trono: a veneração ou acatamento dos súditos. O caso de cristo é como vemos no texto aos hebreus adoração. É lógico que a linguagem empregada é analógica e metafórica, usando imagens para descrever realidades que não têm materialidade nem podem ser vistas como tais. O sentido real do versículo é que todo batizado está identificado com Cristo tendo no corpo como um amálgama e logicamente deve viver uma vida nova em que as coisas do alto têm a primazia sobre as terrenais.
AS COISAS DO ALTO: As do alto prestai atenção, não as sobre a terra (2). Quae sursum sunt sapite non quae supra terram. DO ALTO [ta anö<507>=quae sursum] o grego anö significa acima,nas alturas, como advérbio de lugar e anterior, como advérbio de tempo. Paulo invita aqui aos colossenses a pôr seu olhar no alto e não nas coisas terrenas de telhas para baixo como vulgarmente se diz, pois estas últimas além de serem temporárias, são insuficientes e aquelas são eternas e totalmente satisfatórias. Mas, com Cristo estamos mortos a esta vida e a glória, suprema ambição de um heleno está nesta vida terrena, fora do alcance de um cristão.
A MORTE COM CRISTO: Morrestes, pois, e vossa vida está escondida com Cristo em (o) Deus (3).mortui enim estis et vita vestra abscondita est cum Christo in Deo. Mais uma vez Paulo traz à tona a morte de todo cristão no momento do batismo (Cl 2, 12 e Ef 2, 16). Morto às leis mosaicas e especialmente à da circuncisão; morto às concupiscências da carne e dos olhos e a soberba da vida das quais fala João em 1, 2, 16. A nova vida está escondida com Cristo que disse: aprendei de mim que sou manso e humilde de coração [de pensamento] e encontrareis descanso para vossas almas (Mt 11, 29). De um mestre que foge de ser aclamado rei (Jo 6, 15) e que impede aos seus discípulos falar sobre seu messiado (Mt 16, 20)e que impõe silêncio sobre sua transfiguração (Mt 17, 9). De um Deus que ocultou sua glória, assumindo a condição de escravo, esvaziando-se de sua glória (Fp 2, 7) nascendo como um pobre mortal e vivendo como um simples artesão sem ter título ou reputação alguma (Mc 6, 3), de modo que seus conterrâneos se admiravam de sua sabedoria (Mt 13, 54). De um mestre que ensinava que a mão esquerda não soubesse o que fazia a direta ao fazer o bem da esmola (Mt 11, 25), que ao orar não buscassem praças públicas, mas o secreto do quarto fechado (Mt 6, 6). Finalmente que dava graças por ver escondidas as coisas do reino aos sábios e entendidos e reveladas aos pequeninos (Mt 11, 25).
MANIFESTAÇÃO DA GLÓRIA: Quando o Cristo se manifestar, vossa vida, então também vós junto com ele vos manifestareis em glória (4). Cum Christus apparuerit vita vestra tunc et vos apparebitis cum ipso in gloria. Até agora Cristo é um desconhecido, especialmente para as autoridades e sábios do mundo (Mt 11, 25). E com ele a vida dos seus seguidores, cópia da vida do Mestre (Mt 10, 24) estará oculta aos favores e honras o mundo; porém o dia da manifestação da glória do Senhor, eles terão sua manifestação, igualmente prometida aos doze de modo especial, pois assentar-se-ão em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel (Mt 19, 28). Mas também os simples fiéis são convidados ao triunfo final, pois como vencedores, levantarão as cabeças quando a redenção ou libertação estiver perto (Lc 21, 28), ao contrário dos vencidos que terão que se jogar no chão. Sem dúvida, que esta conformidade com Cristo vitorioso está presente na mente de Paulo neste versículo.

MORTE AOS DESEOS CARNAIS: Matai, pois, vossos membros os terrenos: fornicação, impureza,paixão, lascívia, e a avareza que é idolatria (5). Mortificate ergo membra vestra quae sunt super terram forniccis ationem inmunditiam libidinem concupiscentiam malam et avaritiam quae est simulacrorum servitus. Agora vêm consequências dessa premissa de viver com Cristo, cuja primeira conclusão é aspirar às coisas do alto. Começa Paulo com as coisas às quais devemos estar mortos. Devemos matar ou considerar como mortos os nossos membros com suas aspirações que são perecíveis como todo o terreno: FORNICAÇÃO [porneia<4202>=inmunditia] em grego é todo ato de relação sexual cometido com uma mulher que não seja a própria e legítima esposa. Um illicit sexual inertcorse como dizem os de língua inglesa. Se distingue do adultério propriamente dito que tem uma palavra própria Moichea [<3430>= adulterium] reservando-se a porneia para a prostituição, pois a meretriz era a pornë [<4204>=meretrix] derivada do verbo pernëmi [= vender] sem saída no NT e sem número de Sprong. A mulher do prostíbulo era denominada de Quastuosa. Junto a estas existiam as sacerdotisas de diferentes templos como as bacantes, um dos templos sendo o dedicado a Ísis, deusa egípcia. Meretrizes eram as mulheres solteiras que exerciam a prostituição como amateurs e em cujo caso não tinha necessariamente que haver dinheiro no meio. Temos o caso de Messalina, imperatriz romana que ingressava periodicamente no templo/prostíbulo sob o pseudônimo de Licisca. Metaforicamente é o culto aos ídolos como foi o caso de Roma, a grande Babilônia, que de a beber a todas as nações do vinho da fúria de sua prostituição (Ap 14,8) ou a prática e comer carnes sacrificadas aos ídolos como o caso de Jezabel que seduzia os cristãos a praticarem a prostituição e comerem coisas sacrificadas aos ídolos (Ap 2, 20). No caso, não estamos numa fala metafórica e a palavra tem o significado real de união ilícita com uma mulher. Dois são os casos em que a palavra porneia tem sido a cruz dos intérpretes: 1) Mt 19, 9: quem repudiar sua mulher, se não por causa de porneia [ei më epi porneia] e casar com outra, comete adultério.2)Atos 15, 29: Pareceu bem…que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, bem como de sangue, de carne, de animais sufocados e da porneia [kai porneias]. Que significa porneia em ambos os casos? Evidentemente que não podemos confundir com moichea [adultério]. Que é uma relação não lícita entre um homem e uma mulher. Que no caso de Mateus essa relação é inicialmente proveniente do homem, que a repudia. Que evidentemente não é um matrimônio válido. Portanto, teremos que ver entre os ritos ou costumes judaicos que classe de matrimônios eram considerados inválidos ou ilícitos. A tradução da RA de porneia de relação ilícita. A TEB fala de união ilegal e a católica de concubinato. A CEI traduz também como concubinato. Mais literal, Colunga fala de fornicação.Na nota explicaremos melhor o significado de porneia pelo que diz respeito ao matrimônio. [akatharsia <167>=inmumditia] propriamente não limpo ou sujeira que no plano moral será luxúria, lascívia ou concupiscência, como em Rm 6, 19: assim como oferecestes os vossos membros para a escravidão da impureza que não a legal, mas a substancial da vida dissoluta. PAIXÃO [pathos <3806>=libido] um sentimento que atinge a mente, emoção ou paixão que no NT sempre é uma depravação ou vileza, um desejo ruim. Distingue-se de epithimia porque este é um desejo ativo e o pathos é um sentimento passivo constituindo ambos um vício ou uma desordem interna, como diz Apóstolo Paulo em Rm 1, 26: entregou Deus a paixões infames porque até as mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro contrário à natureza. LASCÍVIA [epithimia <1939>=concupiscentia] Já temos visto a diferença com pathos. Um desejo que no NT quase sempre é por coisas proibidas, Em Marcos 4, 19 o evangelista fala da ambição das riquezas e os demais desejos que em Lc 22, 15, em palavras de Jesus, se traduzem em epithimia epithimasen [=com desejo tenho desejado] comer esta páscoa convosco. Mas neste versículo esse desejo está determinado pelo adjetivo Kakos [<2556>=malus] que o transforma em desejo maligno, que é lascívia. AVAREZA[pleonexia<4124>=avaritia] cobiça ou avareza que também tem um sinônimo como filargyria< 5365>=cupiditas [literalmente amor à prata] que aqui Paulo diz ser uma idolatria em 1 Tm 6, 10 declara ser a raiz de todo mal.

A MENTIRA: Não mintais uns aos outros, despidos do velho homem com suas práticas (9). Nolite mentiri invicem expoliantes vos veterem hominem cum actibus eius. Paulo retoma sua alegoria do velho e novo homem, separados pelo batismo. Além dos vícios do primeiro com respeito à carne, temos o pior que atinge o espírito: a mentira que se torna hipocrisia e dobrez quando do exercício da religião. Se alguma coisa Jesus combateu foi a hipocrisia da elite religiosa de seu tempo: Ai de vós escribas e fariseus hipócritas foi a maldição que encabeçava as sete diatribes contra os mesmos de Mt 23,13 até 23-29. A hipocrisia é um pecado duplo: uma mentira e uma simulação, que indica falsidade e disfarce para a própria exaltação de virtudes inexistentes ou dissimulação dos defeitos reais. As práticas que saem do interior, assim deformado pela mentira, são as que sujam o homem e impedem ver a verdade que todos pretendemos como caminho real de nossas vidas.

IMAGEM DO CRIADOR: E revestidos do novo, o renovado em pleno conhecimento, segundo imagem de quem o criou (10). et induentes novum eum qui renovatur in agnitionem secundum imaginem eius qui creavit eum. O cristão é um novo homem que tem conhecido o verdadeiro Senhor que o criou. Fala-se muito de um Deus-Amor, mas também devemos anunciar um Deus-verdade, que ama o pecador, este arrependido, mas que não deixa sem castigo o pecado cometido. Pois é também um Deus que fala do dia da ira e do justo juízo que retribuirá a cada um, segundo o seu procedimento (Rm 2, 5-6). Ira e indignação aos que desobedecem à verdade e obedecem à injustiça (Rm 2, 8).

SEM DISTINÇÃO DE PESSOAS: Onde não há heleno e judeu, circuncisão e prepúcio, bárbaro, e cita, escravo, livre, mas todas as coisas e em tudo Cristo (11). Ubi non est gentilis et Iudaeus circumcisio et praeputium barbarus et Scytha servus et liber sed omnia et in omnibus Christus.Paulo termina com uma conclusão muito cara a ele por ser o apóstolo dos gentios: entre judeus e gentios não existe distinção. Paulo enumera uma série de distensões que separavam os homens de seu tempo entre felizardos e amaldiçoados, entre eleitos e rejeitados. Vamos explicar alguns dos termos hoje menos compreensíveis. BÁRBARO [barbaros<915>=barbarus] era aquele que falava e se comportava rudimente; também que tinha como língua uma não compreendida pelo grego falado. Os gregos, especialmente após a guerra contra os persas, de uma pessoa ignorante do grego e que se distinguia por sua conduta incivilizada. CÍTIA [skytës<4658>=Scytha] A Cítia era o sul da Rússia moderna. Os seus habitantes eram vistos como os mais incivilizados entre os considerados bárbaros pelos gregos. Uma outra divisão que a fé cristã tem anulado é a existente entre escravos e livres. A igualdade será o desideratum do novo mundo que tem como base Cristo em tudo. Será sua cruz a insígnia da vitória final e o símbolo que avaliza o perdão e magnifica o amor.

NOTA: a PORNEIA grega merece uma aclaração nos dos textos anteriormente citados no comentário do versículo 5. PRIMEIRO GRUPO DE TEXTOS: Mas vejamos os dois textos de difícil interpretação. Mt 5,31 e 19, 9. Ambos respondem aos costumes da época, que Jesus repudia: No 1° (Mt 5,31-32) Jesus se põe contrário ao que “foi dito: Qualquer que repudia sua mulher dê-lhe libelo de repúdio”. Precisamente esse libelo garantia que a mulher estava disponível e, portanto, não cometia adultério ao casar de novo; e assim o novo marido não estava sujeito à impureza (Lv 18,20). A questão era qual era a causa suficiente para dar o libelo [guet] de modo que o primeiro marido não fosse causa de fazer com que a mulher adulterasse. Aqui, como no segundo texto, aparece a palavra porneia, que logo explicamos. O texto grego diz “parektós lógou porneías”. O logou porneia, comparado com o hebraico de Dt 24,1 parece uma tradução literal. Podemos traduzir o parektós como “exceto no caso de”. Logos é palavra, razão, mandato; portanto a tradução seria: fora do caso de uma conduta sexualmente perversa. Nesse caso, o esposo poderia dar o libelo de divórcio. Esta é a interpretação que Jesus dá ao texto de Dt 24, 1. Desse texto se serviam os escribas e fariseus para conceder o divórcio. O motivo para tal divórcio legal foi, pois, explicado por Jesus como tendo unicamente uma razão de conduta sexual imprópria por parte da mulher. No 2°texto (Mt 19,3-9) temos no grego as mesmas razões, sendo que parektós logou porneias, é substituído por “me epi porneia”(não sobre (a) fornicação). Ambos os textos querem dizer: quando se despede uma mulher que se comportou ou era na realidade prostituta, não se comete adultério ao dar o libelo de repúdio. As traduções modernas de porneia em ambos os casos (Mt 5 e 19) segundo as diversas bíblias são: concubinato (E), impudícia (I), concubinato (CEI), fornicatio (Vul), fornicação (Jerus), relações sexuais ilícitas (RA). e fornication (J K).
INTERPRETAÇÃO: Era costume entre os orientais o matrimônio entre parentes que era considerado matrimônio de porneia. O texto base que servia de referência é o texto Massorético de Dt 24, 1. Ele emprega as palavras “tserwath dabar”que podem ser traduzidas literalmente por “palavra de nudez”. O texto dos setenta traduz por “áskhemon pragma” que poderíamos traduzir por conduta indecorosa. As diversas traduções das bíblias modernas são:Propter aliquam foeditatem da Vulgata, (alguma coisa torpe), algo indecente (E), qualcose di sconveniente (I), qualche coisa di vergonhoso (CEI), coisa indecente (RA), algo inconveniente (Jerus), alguma coisa indecente (Lei, do Rabino Meir) e finalmente some uncleannes in her (J. K). Vejamos as interpretações: O termo hebraico zenuth é traduzido ao grego por porneía e porfornicatio ao latim. Existiam os matrimônios chamados de fornicação (matrimônios zenuth) É o caso dos matrimônios assim chamados porque eram considerados inválidos segundo a lei e as uniões eram como as que se mantinham com uma prostituta. Por isso eram chamados dematrimônios de fornicação. Alguns deles eram nulos pela lei natural, como o efetuado entre irmãos. Eram, pois, verdadeiros concubinatos, ou incestos nalguns dos casos. Dos três casos de Zenuth admitidos pelos legistas, somente o zenuth por erro ou inadvertência é o que admite a anulação. O shem zenuth ,ou zenuth por malícia, e o derek zenuth ou por via de fornicação, eram inválidos em raiz. Os rabinos chamavam-nos derek zenuth ou caminho de fornicação pelo modo incorreto de realizar-se. Parece que esta é a solução mais correta. Poderia haver alguns casos em que o repúdio era lícito segundo a antiga lei?

RESPOSTA: Que coisa transforma uma mulher casada em prostituta, e o matrimônio pode ser chamado de Zenuth, para poder assim repudiá-la? 1° Não querer ter filhos. É o caso de Onan (Gn 38,1-11), mas do ponto de vista feminino. A conduta dessa mulher é como a das prostitutas. De fato, atualmente na lei canônica essa determinação invalida o matrimônio.2° Vemos um outro caso em que um homem correto e cumpridor da lei (justo) está resolvido a dar libelo de repúdio a sua esposada: é o caso de José quando descobre que Maria está grávida. Não pode provar o adultério, mas sabe perfeitamente que ele não é o pai da criatura e que, segundo a lei, seria um ato de impureza contínua seguir com sua prometida esposa. ( ver Lv 18,20). 3° Uma terceira causa seria ter uma outra mulher como concubina ou amante. Possivelmente, admitida a poligamia, essa união era legal; mas diante da restituição da origem do matrimônio de Jesus, outras esposas eram simplesmente prostitutas. Cremos que esta é a resposta mais apropriada aos textos do escriba que redatou o evangelho de Mateus. Era o caso de uma união com uma segunda mulher, que constitui um matrimönio Zanuth ou dePorneia.
SEGUNDO GRUPO DE TEXTOS: Atos 15, 29: Pareceu bem…que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, bem como de sangue, de carne, de animais sufocados e da porneia [kai porneias]. São as proibições da chamada lei de Noé. Além disso temos a proibição da porneia. Pelo que temos visto anteriormente, a porneia está ligada a uma relação ilícita com uma mulher. Cremos que nem a prostituição sagrada com mulheres sacerdotisas, nem as relações com mulheres que os romanos chamavam de quastuosas, entram dentro desta proibição, por serem óbvias demais. Não era necessária essa proibição. Fica assim o caso de poligamia que a nova lei cristã de um com uma, proibia. Que não tivessem duas mulheres, ou mais, como era frequente no Oriente, entre os que contavam com meios suficientes. Ou seja, proibiam-se as concubinas.

Evangelho (Lc 12, 13-21)
A COBIÇA

INTRODUÇÃO: No grande parêntese da viagem para Jerusalém, Lucas aproveita a ocasião para agrupar diversos ensinamentos de Jesus, à maneira como Mateus fez no sermão da montanha. No trecho de hoje temos uma lição do ponto de vista evangélico, isto é, de Jesus mesmo, sobre a cobiça com respeito às riquezas. Temos dois exemplos: o caso de uma herança e a pequena parábola do rico agricultor. Os dois trechos não têm paralelos nos outros dois sinóticos.

MESTRE: Disse-lhe, então, um da multidão: Mestre, diz a meu irmão que reparta comigo a herança(13). Ait autem quidam ei de turba magister dic fratri meo ut dividat mecum hereditatem. Um (ouvinte) dentre o povo, lhe disse: Mestre! Esta era a palavra que estava em uso na época para designar os juristas, hoje diríamos advogados, porque a Torá era a única lei que admitia o direito civil judaico. O caso apresentado pelo demandante era clássico: Uma herança em que o irmão maior tinha direito a dois terços ou uma porção dupla da que era repartida entre os outros irmãos. O caso estava declarado em Dt 21, 17. Reconhecerá como primogênito o filho da mulher da qual ele não gosta, dando-lhe porção dupla de tudo quanto possuir, pois ele é a primazia de sua virilidade e o direito de primogenitura lhe pertence. Aparentemente este era o caso; e o primogênito não queria dividir com o outro irmão a herança paterna. A questão da herança não era uma coisa trivial. Temos em Nm 27, 1-11 o caso de herdeiros que não sendo do sexo masculino, é resolvido com todo detalhe. A questão, pois, parecia de importância.

HOMEM: Ele, pois, lhe disse: homem, quem me constituiu juiz ou partidor entre vós?(14). At ille dixit ei homo quis me constituit iudicem aut divisorem super vos. Lucas usa a mesma palavra em 5,20 e 22,58. É uma palavra que indica distanciamento, como de alguém com quem não queremos amizade, ou não temos as mesmas ideias e que fere, em certo sentido, nossos sentimentos. É também uma expressão de surpresa que nos coloca num plano defensivo. JUIZ: Na realidade, o que pedia o demandante era que Jesus se constituísse em verdadeiro juiz de um caso contencioso, como se fosse um simples jurista, ou um repartidor entre os dois irmãos. Não era esse o verdadeiro ofício de Jesus que o subordinaria às riquezas como se estas fossem o leit motive de sua obra salvífica. Eram os mestres rabínicos os que deviam resolver semelhantes casos. Daí a sua direta e intransigente rejeição. Em Êx 2, 14 os israelitas reclamam de Moisés quando este mata o egípcio para salvar o hebreu maltratado: Quem te constituiu nosso chefe e nosso juiz? Eram estas as palavras que Jesus usa em sua defesa para rejeitar o caso como um simples jurista.

AS RIQUEZAS VISTAS DESDE O EVANGELHO: Então lhes disse: vede e guardai-vos de toda avareza, porque não em qualquer abundância está a vida daquele que possui bens (15). Dixitque ad illos videte et cavete ab omni avaritia quia non in abundantia cuiusquam vita eius est ex his quae possidet. Sabemos que Lucas não é muito favorável às grandes fortunas. É mais fácil um camelo[máximo animal conhecido] entrar pelo olho de uma agulha [mínima abertura ou passagem] do que um rico entrar no reino de Deus (18, 25). O parágrafo se inicia com uma advertência séria:Vede! [ou cuidado!] Deveis estar em guarda de modo a evitar toda forma de cobiça ou ambição[pleonexias] de ser ricos. Pois a verdadeira vida não depende da abundância [periseuo] dos bens materiais [yparchonta]. Na realidade, Jesus usa em presente de infinitivo o verbo periseuö que significa exceder. A tradução seria: porque na realidade a vida de alguém não consiste em ter excesso de posses. É lógico que busquemos uma tradução mais literária para transmitir o verdadeiro pensamento de Jesus. Por isso podemos optar por: A vida não consiste em acumular riquezas. E na continuação Jesus explica o porquê desta afirmação que já Paulo descrevia como sendo a cobiça uma forma de idolatria (Cl 3,5).
A PARÁBOLA: Disse-lhes, pois uma parábola dizendo, de um homem rico, o campo produziu em abundância (16). Dixit autem similitudinem ad illos dicens hominis cuiusdam divitis uberes fructus ager adtulit. Segundo os comentaristas é uma explicação prática de 9, 25 : Que aproveita ao homem ganhar o mundo se vier a perder-se ou causar dano a si mesmo? Na Escrituras não é a primeira vez que aparecem semelhantes reflexões. No Eclesiástico ou SIRÁCIDA, 11, 18-19 encontramos: Há quem se enriquece por avareza; esta será a sua recompensa: Quando ele disser: ”Encontrei descanso, agora comerei dos meus bens”, não sabendo quando virá aquele dia, deixará tudo a outros e morrerá. O livro dos Provérbios tem uma reflexão semelhante: Não te glories do dia de amanhã, porque não sabes o que trará à luz (27,1). O RICO: Era, segundo Jesus, um homem qualquer, porém rico, cuja terra ou melhor diríamos em português cujas terras produziram uma colheita copiosa.

A REFLEXÃO: E cogitava entre si dizendo: Que farei porque não tenho onde estocar os meus frutos? (17). Et cogitabat intra se dicens quid faciam quod non habeo quo congregem fructus meos.E disse: isto farei destruirei os meus celeiros reconstrui-los-ei maiores e ai recolherei todos os meus produtos e meus bens (18). Et dixit hoc faciam destruam horrea mea et maiora faciam et illuc congregabo omnia quae nata sunt mihi et bona mea. E direi à minha alma: alma, tens muitos bens depositados para muitos anos; descansa, come, bebe, desfruta (19). Et dicam animae meae anima habes multa bona posita in annos plurimos requiesce comede bibe epulare. Esta colheita abundante e generosa foi a ocasião de uma reflexão: Que farei, pois não tenho onde estocar semelhante riqueza? Ele só pensou em si mesmo, para viver uma vida de descanso e prazer. Como diz o apóstolo em 1Cor 15, 32 comamos e bebamos que amanhã morreremos. E com a finalidade que também propõe o livro do Sirácida, encontrei descanso; agora comerei de meus bens (11, 19), pensa em aumentar a capacidade de seus celeiros para ter uma vida fácil, sem preocupações, para descansar, comer, beber e gozar. Uma solução mais fácil seria repartir o que não coubesse nos celeiros com os mais necessitados, ou vender a preço mais acessível o excedente. Seria uma maneira de ajudar a quem não tem, e cumprir com o que Tobias recomendava a seu filho: Dá esmola de tudo que te sobrar e não sejas avaro na esmola (4, 16).

A MORAL: Porém disse-lhe Deus: Insensato, esta noite demandarão a tua alma de ti; as que tens preparado para quem serão? (20). Dixit autem illi Deus stulte hac nocte animam tuam repetunt a te quae autem parasti cuius erunt. Assim [será] o que entesoura para si mesmo e não [é] rico para Deus (21). Sic est qui sibi thesaurizat et non est in Deum dives. Segundo o último versículo de hoje, existem duas maneiras de ser rico: para si mesmo ou para [diante de] Deus(21). A primeira maneira é uma verdadeira idolatria (Cl 3, 5) quando atinge os limites da avareza. E será uma insensatez, sem miolos, pensar que as riquezas vão trazer a verdadeira felicidade como diz Jesus no trecho de hoje (20). A segunda maneira de ser rico tem duas opções que não são diametralmente opostas: a) A perfeita: enriquecer o coração optando pela pobreza em cuja escolha teremos outros desejos que não a ambição e desejos insensatos e funestos, que afundam os homens na ruína e perdição (1 Tm 6, 9). Por isso Jesus aconselha para o jovem rico: Uma coisa te falta ainda. Vende tudo o que tens, distribui aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois vem e segue-me (Lc 18, 22). Neste caso descobrimos a verdadeira felicidade que é ser discípulo de Cristo. b) A segunda é fazer amigos com as riquezas de modo que no dia em que elas faltem e sejam inúteis eles vos recebam nas tendas eternas (Lc 16, 9). Neste caso o dinheiro compra a verdadeira felicidade que é imorredoura. Desde os tempos de Tobias sabemos que a esmola era um dever de todo judeu justo ( 4, 7-11 e 16-17). O Sirácida o dirá com palavras muito próximas às de Jesus em Lc 19, e compara a esmola com o sacrifício de louvor (35,2). Além dos pobres era o próprio Jesus e o colégio apostólico que foi favorecido pelas posses de suas discípulas. Sabemos que eles tinham uma caixa comum e que dela participavam os pobres (Jo 12, 5-6). Quando Zaqueu disse que a metade de seus bens seria dada aos pobres, Jesus exclamou: Hoje a salvação entrou nesta casa (Lc 19, 8). Quando as multidões perguntam a Joãoque devemos fazer? Ele respondeu: Quem tiver duas túnicas reparta-as com aquele que não tem, e quem tiver o que comer, faça o mesmo (Lc 3, 10). Do evangelho deduzimos que o reparte deve ser generoso, até a metade dos bens, quando o outro nada tem. Sem dúvida que existe muita ostentação desnecessária na vida. Por isso é bom recordar as palavras de Tobias: o supérfluo pertence aos pobres, e a advertência dos Papas nos últimos tempos: Toda propriedade tem uma hipoteca social.

PISTAS: 1) Aparentemente o caso do homem que interpela Jesus era um caso de justiça. Mas Jesus recusa ser juiz. A justiça, considerada do ponto de vista humano, é falha e deixa muito a desejar. No litígio, os homens enfrentam uma guerra que mata não só os corpos, mas a amizade e o amor. Por isso Jesus dirá: Assume uma atitude conciliadora com o teu adversário, enquanto estás no caminho, para não te acontecer que teu adversário te entregue ao juiz e o juiz ao oficial de justiça e assim, sejas lançado na prisão (Mt 5, 25). Porém a caridade não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade (1 Cor 13, 5-6). De fato, todas as revoluções em nome da justiça, da igualdade e da liberdade têm sido extremamente cruentas e abundantes em mortes humanas. Muitas buscam a desforra e a vingança, Por isso todas as encíclicas sociais terminam com a mesma advertência: a justiça deve ser temperada pela caridade que é a que tem a última palavra nas relações sociais.
2) Talvez não tenhamos em conta que num mundo tão injusto como o romano de escravos e cidadãos diversamente classistas, Jesus nada disse a respeito. Porém, a ênfase evangélica está na justiça divina para a qual Lucas deixa a definitiva sentença, como Ai de vós ricos, porque já tendes a vossa consolação (Lc 6,24).
3) O problema da desigualdade, por não dizer péssima distribuição das riquezas, tem como solução uma voluntária redistribuição das mesmas, de modo que os mais ricos enriqueçam os mais pobres com as riquezas que para eles sobram e para estes faltam. A chamada esmola deve ser considerada como uma necessidade voluntária de distribuição das riquezas. Assim se conseguem dois objetivos altamente prioritários e necessários: Paliar uma injustiça presente e conseguir amigos eternos. (vide nota).
4) Mais do que condenar os ricos devemos pregar a pobreza voluntária, desterrando a ambição como programa humano e oferecendo a simplicidade e austeridade de vida como objetivo evangélico e ideal social.

NOTA: Eis uma página que deve ser lida como atual por todos. É da homilia de S. Basílio Magno, De caritate: “ Imita a terra, ó homem! À semelhança dela produze fruto, não te reveles inferior a uma coisa inanimada. Ela nutre frutos não para seu consumo, mas para teu serviço. Tu, no entanto, todo fruto de beneficência que produzisses, colherias para ti mesmo, porque o prêmio das boas obras reverteria a ti. Como o trigo que cai na terra redunda em lucro para o semeador, assim o pão dado ao faminto, grande proveito te trará no futuro. Seja, portanto, o final de tua lavoura o início da sementeira celeste: Semeai, está escrito, para vós mesmos na justiça. Mesmo contra a vontade, terás de deixar aqui teu dinheiro. Pelo contrário, enviarás ao Senhor a glória conseguida pelas tuas obras. Ali, na presença do Juiz de todos, o povo em peso te proclamará o provedor, o generoso doador e te cobrirá com todos os nomes significantes de bondade e de benignidade.Com efeito, não vês como aqueles que, nos teatros, nos estádios, nos circos, aqueles que combateram contra as feras, cujo aspecto nos horroriza, por uma breve fama e pelos aplausos vibrantes do povo, malbaratam riquezas? Tu, porém, tão parco em gastar, donde conseguirás tamanha glória? Deus te aprovará, louvar-te-ão os anjos, todo homem criado desde o princípio do mundo te proclamará feliz. Glória eterna, coroa de justiça, reino dos céus, tudo isto premia as coisas corruptíveis que bem usaste. Nada te cause cuidado daqueles bens, objeto de esperança, pelo pouco caso dado às coisas temporais. Ânimo então, e reparte de diversos modos as riquezas, sendo liberal e magnânimo nos gastos com os indigentes. De ti dirão: Distribuiu, deu aos pobres, sua justiça permanecerá para sempre. Como deverias ser grato ao benéfico doador que teve considerações por ti. Não te alegras, não te regozijas por não teres que ir bater à porta dos outros, mas que eles venham à tua? Agora, no entanto, és rabugento, com dificuldade consegue alguém te falar: evitas encontros, não te aconteça teres de abrir mão nem que seja um pouquinho. Conheces só uma frase: “Não tenho nem dou; também sou pobre”. És pobre na verdade, indigente de todo bem: pobre de amor, pobre de bondade, pobre de fé em Deus, pobre de esperança eterna”. ( 2a leitura terça feira 17a semana)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Roteiro Homilético – XVII Domingo do Tempo Comum (Ano C) dia 25/07

Roteiro Homilético – XVII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

TEMA
O tema fundamental que a liturgia nos convida a reflectir, neste domingo, é o tema da oração. Ao colocar diante dos nossos olhos os exemplos de Abraão e de Jesus, a Palavra de Deus mostra-nos a importância da oração e ensina-nos a atitude que os crentes devem assumir no seu diálogo com Deus.
A primeira leitura sugere que a verdadeira oração é um diálogo “face a face”, no qual o homem – com humildade, reverência, respeito, mas também com ousadia e confiança – apresenta a Deus as suas inquietações, as suas dúvidas, os seus anseios e tenta perceber os projectos de Deus para o mundo e para os homens.
O Evangelho senta-nos no banco da “escola de oração” de Jesus. Ensina que a oração do crente deve ser um diálogo confiante de uma criança com o seu “papá”.
Com Jesus, o crente é convidado a descobrir em Deus “o Pai” e a dialogar frequentemente com Ele acerca desse mundo novo que o Pai/Deus quer oferecer aos homens.
A segunda leitura, sem aludir directamente ao tema da oração, convida a fazer de Cristo a referência fundamental (neste contexto de reflexão sobre a oração, podemos dizer que Cristo tem de ser a referência e o modelo do crente que reza: quer na frequência com que se dirige ao Pai, quer na forma como dialoga com o Pai).

LEITURA I – Gen 18,20-32

Naqueles dias, disse o Senhor: «O clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte, o seu pecado é tão grave que Eu vou descer para verificar se o clamor que chegou até Mim corresponde inteiramente às suas obras. Se sim ou não, hei-de sabê-lo». Os homens que tinham vindo à residência de Abraão dirigiram-se então para Sodoma, enquanto o Senhor continuava junto de Abraão. Este aproximou-se e disse: «Irás destruir o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Matá-los-ás a todos? Não perdoarás a essa cidade, por causa dos cinquenta justos que nela residem? Longe de Ti fazer tal coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte! Longe de Ti! O juiz de toda a terra não fará justiça?» O Senhor respondeu-lhe: «Se encontrar em Sodoma cinquenta justos, perdoarei a toda a cidade por causa deles». Abraão insistiu: «Atrevo-me a falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza: talvez para cinquenta justos faltem cinco. Por causa de cinco, destruirás toda a cidade?» O Senhor respondeu: «Não a destruirei se lá encontrar quarenta e cinco justos». Abraão insistiu mais uma vez: «Talvez não se encontrem nela mais de quarenta». O Senhor respondeu: «Não a destruirei em atenção a esses quarenta». Abraão disse ainda: «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei mais uma vez: talvez haja lá trinta justos». O Senhor respondeu: «Não farei a destruição, se lá encontrar esses trinta». Abraão insistiu novamente: «Atrevo-me ainda a falar ao meu Senhor: talvez não se encontrem lá mais de vinte justos». O Senhor respondeu: «Não destruirei a cidade em atenção a esses vinte». Abraão prosseguiu: «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei ainda esta vez: talvez lá não se encontrem senão dez». O Senhor respondeu: «Em atenção a esses dez, não destruirei a cidade».
AMBIENTE
Este texto do Livro do Génesis vem na sequência da primeira leitura do passado domingo. Depois de terem deixado a tenda de Abraão, os três personagens dirigiramse para a cidade de Sodoma, a fim de constatar “in loco” o pecado dos habitantes da cidade. Abraão acompanhou os seus visitantes divinos durante algum tempo. O autor jahwista situa num lugar alto, a Este de Hebron – de onde se avista Sodoma (cf. Gn 19,27) – esse diálogo entre Abraão e Deus que o texto nos apresenta.
Sodoma era uma cidade antiga, que se supõe ter existido nas margens do Mar Morto, ao sul da península de El-Lisan. De acordo com as lendas, foi uma das cidades destruídas (as outras teriam sido Gomorra, Adama, Seboim e Segor) por um cataclismo que ficou na memória do povo bíblico. Alguns estudiosos modernos têm procurado uma explicação para a lenda na geologia da área: a região fica situada na falha do vale do Jordão, numa zona sujeita a terramotos e a actividades vulcânicas.
Depósitos de betume e de petróleo têm sido descobertos nesta região; e alguns escritores antigos atestam a presença de gases que, uma vez inflamados, poderiam causar uma terrível destruição, do tipo relatado em Gn 19. Terá sido isso que aconteceu nessa zona?
É, provavelmente, essa recordação de um antigo cataclismo que, em tempos imemoriais, destruiu a área, que originou a reflexão que esta leitura nos apresenta.
Poder-se-ia pensar que um acontecimento pré-histórico muito remoto, cujos traços enigmáticos eram ainda visíveis no tempo de Abraão (como o são ainda hoje), tenha excitado a fantasia religiosa, no sentido de procurar as causas de uma tão terrível catástrofe.
O diálogo que a primeira leitura de hoje nos propõe é um texto de transição que serve para ligar a lenda de Mambré com as lendas que relatam a destruição de Sodoma e das cidades vizinhas. Os autores jahwistas aproveitaram o ensejo para propor uma catequese sobre o peso que o justo e o pecador têm diante de Deus.
MENSAGEM
Deus prepara-se para iniciar a “investigação”, a fim de constatar da culpabilidade ou da não culpabilidade de Sodoma. É precisamente aí que o autor jahwista resolve inserir essa pergunta fundamental que o inquieta: que acontecerá se essa “investigação” revelar a existência na cidade de um pequeno grupo de justos? Deus vai castigar toda a comunidade? Será que um punhado de justos vale tanto que, por amor deles, Deus esteja disposto a perdoar o castigo a uma multidão de culpados? A ideia de que um punhado de “justos” possa salvar a cidade pecadora é, em pleno séc. X a.C. (a época do jahwista), uma ideia revolucionária. Para a mentalidade religiosa dos israelitas desta altura, todos os membros de uma comunidade (família, cidade, nação) eram solidários no bem e no mal; se alguém falhasse, o castigo devia, invariavelmente, derramar-se sobre o grupo. No entanto, os catequistas jahwistas atrevem-se a sugerir que talvez a “justiça” de uns tantos seja, para Deus, mais importante do que o pecado da maioria. Apesar de tudo, ainda estamos longe da perspectiva da retribuição e da responsabilidade individuais: essas ideias só serão consagradas pela catequese de Israel a partir do séc. VI a.C. (época do exílio na Babilónia).
O problema que Abraão procura resolver é, portanto, se aos olhos de Deus um grupo de “justos” tem tal peso que, por amor deles, Deus esteja disposto a suspender o castigo que pesa sobre toda a colectividade. Os números sucessivamente avançados por Abraão (em forma descendente, de 50 até 10) fazem parte do folclore do “regateio” oriental; mas servem, também, para pôr em relevo a misericórdia e a “justiça de Deus”: a descida até aos dez “justos” e as sucessivas manifestações da vontade de Deus em suspender o castigo mostram que, n’Ele, a misericórdia é maior do que vontade de castigar, que a vontade de salvar é infinitamente maior do que a vontade de perder.
Definida a questão fundamental que o jahwista quer abordar, detenhamo-nos agora um pouco na forma como se desenrola a “conversa” entre Abraão e Deus. É um diálogo “face a face” no qual Abraão se apresenta com humildade, com respeito, pois sente-se “pó e cinza” diante da omnipotência de Deus. No entanto, à medida que o diálogo avança e que Abraão se confronta com a benevolência de Deus, vai surgindo a confiança. Abraão chega a ser importuno na sua insistência e ousado no seu regateio. Recordando a Deus os seus compromissos, ele aparece como o “intercessor”, que consegue da misericórdia de Deus que um número insignificante de justos tenha mais peso do que um número muito elevado de culpados.
É possível dialogar com Deus desta forma familiar, confiante, insistente, ousada? Certamente, pois o Deus de Abraão é esse Deus que veio ao encontro do homem, que entrou na sua tenda, que Se sentou à sua mesa, que estabeleceu com ele comunhão, que realizou os sonhos desse homem que O acolheu, que aceitou partilhar com Ele os seus projectos. Um Deus que Se revela dessa forma é um Deus com quem o homem pode dialogar, com amor e sem temor.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, para a reflexão, os seguintes dados:
o O diálogo entre Abraão e Deus a propósito de Sodoma confirma esse Deus da comunhão, que vem ao encontro do homem, que entra na sua casa, que Se senta à mesa com ele, que escuta os seus anseios e que lhes dá resposta; e mostra, além disso, um Deus cheio de bondade e de misericórdia, cuja vontade de salvar é infinitamente maior do que a vontade de condenar. É esse Deus “próximo”, cheio de amor, que quer vir ao nosso encontro e partilhar a nossa vida que temos de encontrar: só será possível rezar, se antes tivermos descoberto este “rosto” de Deus.
o A “oração” de Abraão é paradigmática da “oração” do crente: é um diálogo com Deus – um diálogo humilde, reverente, respeitoso, mas também cheio de confiança, de ousadia e de esperança. Não é uma repetição de palavras ocas, gravadas e repetidas por um gravador ou um papagaio, mas um diálogo espontâneo e sincero, no qual o crente se expõe e coloca diante de Deus tudo aquilo que lhe enche o coração. A minha oração é este diálogo espontâneo, vivo, confiante com Deus, ou é uma repetição fastidiosa de fórmulas feitas, mastigadas à pressa e sem significado?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 137 (138)
Refrão: Quando Vos invoco, sempre me atendeis, Senhor.
De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças,
porque ouvistes as palavras da minha boca.
Na presença dos Anjos hei-de cantar-Vos
e adorar-Vos, voltando para o vosso templo santo.

Hei-de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade,
porque exaltastes acima de tudo o vosso nome e a vossa promessa.
Quando Vos invoquei, me respondestes,
aumentastes a fortaleza da minha alma.

O Senhor é excelso e olha para o humilde,
ao soberbo conhece-o de longe.
No meio da tribulação Vós me conservais a vida,
Vós me ajudais contra os meus inimigos.

A vossa mão direita me salvará,
o Senhor completará o que em meu auxílio começou.
Senhor, a vossa bondade é eterna,
não abandoneis a obra das vossas mãos.
LEITURA II – Col 2,12-14
Irmãos: Sepultados com Cristo no baptismo, também com Ele fostes ressuscitados pela fé que tivestes no poder de Deus que O ressuscitou dos mortos. Quando estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, Deus fez que voltásseis à vida com Cristo e perdoou-nos todas as nossas faltas. Anulou o documento da nossa dívida, com as suas disposições contra nós; suprimiu-o, cravando-o na cruz.
AMBIENTE
Pela terceira semana consecutiva, temos como segunda leitura um trecho dessa Carta aos Colossenses em que Paulo defende a absoluta suficiência de Cristo para a salvação do homem.
O texto que hoje nos é proposto integra uma perícopa em que Paulo polemiza contra os “falsos doutores” que confundiam os cristãos de Colossos com exigências acerca de anjos, de ritos e de práticas ascéticas (cf. Col 2,4-3,4). Depois de exortar os Colossenses à firmeza na fé frente aos erros dos “falsos doutores” (cf. Col 2,4-8), Paulo afirma que Cristo basta, pois é n’Ele que reside a plenitude da divindade; Ele é a cabeça de todo o principado e potestade e foi Ele que nos redimiu com a sua morte (cf. Col 2,9-15).
MENSAGEM
A questão fundamental é, neste texto breve, a afirmação da supremacia de Cristo e da sua suficiência na salvação do crente. Pelo Baptismo, o crente aderiu a Cristo e identificou-se com Cristo; a vida de Cristo passou a circular nele: por isso, o crente – revivificado por Cristo – morreu para o pecado e nasceu para a vida nova do Homem Novo. Em Cristo encontramos, portanto, a vida em plenitude, sem que seja necessário recorrer a mais nada (poderes angélicos, ritos, práticas) para ter acesso à salvação.
Para representar, de forma mais explícita, o que significa este “morrer” e “ressuscitar”, Paulo refere-se a um “documento de dívida” que a morte de Cristo teria “anulado”.
Este “documento” em que se reconhece a nossa dívida para com Deus pode designar aqui, quer a Lei de Moisés (com as suas leis, exigências, prescrições, impossíveis de cumprir na totalidade e constituindo, portanto, um documento de acusação contra as falhas dos homens), quer o “registo” onde, de acordo com as tradições judaicas da época, Deus inscreve as contas da humanidade (cf. Sal 139,16). De uma forma ou de outra, não interessa acentuar demasiado esta imagem do “documento de dívida”: ela é, apenas, uma linguagem, utilizada para significar que Cristo anulou os nossos débitos (no sentido em que o nosso egoísmo e o nosso pecado morreram, no instante em que Ele nos libertou); e, através de Cristo, começou para nós uma vida nova, liberta de tudo o que nos oprime, nos escraviza, nos rouba a felicidade, nos impede o acesso à vida plena.
ATUALIZAÇÃO

Para a reflexão e actualização da Palavra, considerar os seguintes elementos:
o Mais uma vez, a Palavra de Deus afirma a absoluta centralidade de Cristo na nossa experiência cristã. É por Ele – e apenas por Ele – que o nosso pecado e o nosso egoísmo são saneados e que temos acesso à salvação – quer dizer, à vida nova do Homem Novo. É nisto que reside o fundamental da nossa fé e é à volta de Cristo (da sua vida feita doação, entrega, amor até à morte) que se deve centralizar a nossa existência de cristãos. Ao denunciar a atitude dos Colossenses (mais preocupados com os poderes dos anjos e com certas práticas e ritos do que com Cristo), Paulo adverte-nos para não nos deixarmos afastar do essencial por aspectos secundários. O critério fundamental, no que diz respeito à vivência da nossa fé, deve ser este: tudo o que contribui para nos levar até Cristo é bom; tudo o que nos distrai de Cristo é dispensável.
o É necessário ter consciência de que o Baptismo, identificando-nos com Jesus, constitui um ponto de partida para uma vida vivida ao jeito de Jesus, na doação, no serviço, na entrega da vida por amor. É este “caminho” que temos vindo a percorrer? A minha vida caminha, decisivamente, em direcção ao Homem Novo, ou mantém-me fossilizado no homem velho do egoísmo, do orgulho e do pecado?
ALELUIA – Rom 8,15bc
Aleluia. Aleluia.
Recebestes o espírito de adopção filial; nele clamamos: «Abba, ó Pai».
EVANGELHO – Lc 11,1-13
Naquele tempo, Estava Jesus em oração em certo lugar. Ao terminar, disse-Lhe um dos discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista ensinou também os seus discípulos». Disse-lhes Jesus: «Quando orardes, dizei: ‘Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação’». Disse-lhes ainda: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’. Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’. Eu vos digo: Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa. Também vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á. Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».
AMBIENTE
Continuamos, ainda, nesse “caminho de Jerusalém” – quer dizer, a percorrer esse caminho espiritual que prepara os discípulos para se assumirem, plenamente, como testemunhas do Reino. A catequese que, neste contexto, Jesus apresenta aos discípulos é, hoje, sobre a forma de dialogar com Deus.
Lucas é o evangelista da oração de Jesus. Ele refere a oração de Jesus no Baptismo (cf. Lc 3,21), antes da eleição dos Doze (cf. Lc 6,12), antes do primeiro anúncio da paixão (cf. Lc 9,18), no contexto da transfiguração (cf. Lc 9,28-29), após o regresso dos discípulos da missão (cf. Lc 10,21), na última ceia (cf. Lc 22,32), no Getsemani (cf. Lc 22,40-46), na cruz (cf. Lc 23,34.46). Em geral, a oração é o espaço de encontro de Jesus com o Pai, o momento do discernimento do projecto do Pai.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-nos Jesus a orar ao Pai e a ensinar aos discípulos como orar ao Pai. Não se trata tanto de ensinar uma fórmula fixa, que os discípulos devem repetir de memória, mas mais de propor um “modelo”. De resto, o “Pai nosso” conservado por Lucas é um tanto diferente do “Pai nosso” conservado por Mateus (cf. Mt 6,9-13) – o que pode explicar-se por tradições litúrgicas distintas. A versão de Mateus condiz com um meio judeo-cristão, enquanto que a de Lucas – mais breve e com menos embelezamentos litúrgicos – está mais próxima (provavelmente) da oração original. Nenhuma destas versões pretende, na realidade, reproduzir literalmente as palavras de Jesus, mas mostrar às comunidades cristãs qual a atitude que se deve assumir no diálogo com Deus.
MENSAGEM
Como é que os discípulos devem, então, rezar? Lucas refere-se a dois aspectos que devem ser considerados no diálogo com Deus. O primeiro diz respeito à “forma”: deve ser um diálogo de um filho com o Pai; o segundo diz respeito ao “assunto”: o diálogo incidirá na realização do plano do Pai, no advento do mundo novo.
Tratar Deus como “Pai” não é novidade nenhuma. No Antigo Testamento, Deus é “como um pai” que manifesta amor e solicitude pelo seu Povo (cf. Os 11,1-9). No entanto, na boca de Jesus, a palavra “Pai” referida a Deus não é usada em sentido simbólico, mas em sentido real: para Jesus, Deus não é “como um pai”, mas é “o Pai”.
A própria linguagem com que Jesus Se dirige a Deus mostra isto: a expressão “Pai” usada por Jesus traduz o original aramaico “abba” (cf. Mc 14,36), tomada da maneira comum e familiar como as crianças chamavam o seu “papá”. Ao referir-se a Deus desta forma, Jesus manifesta a intimidade, o amor, a comunhão de vida, que o ligam a Deus.
No entanto, o aspecto mais surpreendente reside no facto de Jesus ter aconselhado os seus discípulos a tratarem a Deus da mesma forma, admitindo-os à comunhão que existe entre Ele e Deus. Porque é que os discípulos podem chamar “Pai” a Deus? Porque, ao identificarem-se com Jesus e ao acolherem as propostas de Jesus, eles estabelecem uma relação íntima com Deus (a mesma relação de comunhão, de intimidade, de familiaridade que unem Jesus e o Pai). Tornam-se, portanto, “filhos de Deus”.
Sentir-se “filho” desse Deus que é “Pai” significa outra coisa: implica reconhecer a fraternidade que nos liga a uma imensa família de irmãos. Dizer a Deus “Pai” implica sair do individualismo que aliena, superar as divisões e destruir as barreiras que impedem de amar e de ser solidários com os irmãos, filhos do mesmo “Pai”.
Desta forma, Cristo convida os discípulos a assumirem, na sua relação e no seu diálogo com Deus, a mesma atitude de Jesus: a atitude de uma criança que, com simplicidade, se entrega confiadamente nas mãos do pai, acolhe naturalmente a sua ternura e o seu amor e aceita a proposta de intimidade e de comunhão que essa relação pai/filho implica; convida, também, os discípulos a assumirem-se como irmãos e a formarem uma verdadeira família, unida à volta do amor e do cuidado do “Pai”.
Definida a “atitude”, falta definir o “assunto” ou o “tema” da oração. Na perspectiva de Jesus, o diálogo do crente com Deus deve, sobretudo, abordar o tema do advento do Reino, do nascimento desse mundo novo que Deus nos quer oferecer. A referência à “santificação do nome” expressa o desejo de que Deus se manifeste como salvador aos olhos de todos os povos e o reconhecimento por parte dos homens, da justiça e da bondade do projecto de Deus para o mundo; a referência à “vinda do Reino” expressa o desejo de que esse mundo novo que Jesus veio propor se torne uma realidade definitivamente presente na vida dos homens; a referência ao “pão de cada dia” expressa o desejo de que Deus não cesse de nos alimentar com a sua vida (na forma do pão material e na forma do pão espiritual); a referência ao “perdão dos pecados” pede que a misericórdia de Deus não cesse de derramar-se sobre as nossas infidelidades e que, a partir de nós, ela atinja também os outros irmãos que falharam; a referência à “tentação” pede que Deus não nos deixe seduzir pelo apelo das felicidades ilusórias, mas que nos ajude a caminhar ao encontro da felicidade duradoura, da vida plena… Duas parábolas finais completam o quadro. O acento da primeira (vers. 5-8) não deve ser posto tanto na insistência do “amigo importuno”, mas mais na acção do amigo que satisfaz o pedido; o que Jesus pretende dizer é: se os homens são capazes de escutar o apelo de um amigo importuno, ainda mais Deus atenderá gratuitamente aqueles que se Lhe dirigem. A segunda parábola (vers. 9-13) convida à confiança em Deus: Ele conhece-nos bem e sabe do que necessitamos; em todas as circunstâncias Ele derramará sobre nós o Espírito, que nos permitirá enfrentar todas as situações da vida com a força de Deus.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:
o O Evangelho de Lucas sublinha o espaço significativo que Jesus dava, na sua vida, ao diálogo com o Pai – nomeadamente, antes de certos momentos determinantes, nos quais se tornava particularmente importante o cumprimento do projecto do Pai. Na minha vida, encontro espaço para esse diálogo com o Pai? Na oração, procuro “sentir o pulso” de Deus a propósito dos acontecimentos com que me deparo, de forma a conhecer o seu projecto para mim, para a Igreja e para o mundo?
o A forma como Jesus Se dirige a Deus mostra a existência de uma relação de intimidade, de amor, de confiança, de comunhão entre Ele e o Pai (de tal forma que Jesus chama a Deus “papá”); e Ele convida os seus discípulos a assumirem uma atitude semelhante quando se dirigem a Deus… É essa a atitude que eu assumo na minha relação com Deus? Ele é o “papá” a quem amo, a quem confio, a quem recorro, com quem partilho a vida, ou é o Deus distante, inacessível, indiferente?
o A minha oração é uma oração egoísta, de “pedinchice” ou é, antes de mais, um encontro, um diálogo, no qual me esforço para escutar Deus, por estar em comunhão com Ele, por perceber os seus projectos e acolhê-los?
o A minha oração é uma “negociata” entre dois parceiros comerciais (“dou-te isto, se me deres aquilo”) ou é um encontro com um amigo de quem preciso, a quem amo e com quem partilho as preocupações, os sonhos e as esperanças?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 17º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 17º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. RECORDAR OS LUGARES DE ORAÇÃO.
Este domingo “da oração” pode ser ocasião para recordar os lugares de oração da paróquia (igreja, capela…), dalgum santuário próximo, dalguns lugares que são destino de férias… Pode-se colocar essas indicações à entrada da igreja, precisando os lugares, horários e todas as informações úteis. De qualquer modo, para além do lugar de culto, é bom recordar que o grande espaço de oração é o coração da própria pessoa, aberto a Deus, e a nossa casa-família.
3. O LIVRO DAS INTENÇÕES DE ORAÇÃO.
Pode-se colocar um livro à entrada da igreja, para quem quiser escrever uma intenção de oração. Todas essas orações (ou apenas algumas) podem ser proclamadas no momento da oração universal.
4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
“Deus de bondade, nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus; inocente, aceitou morrer pelos pecadores.
Como é grande o clamor que sobe de todas as regiões atingidas pelos cataclismos, os da natureza divina e os de origem humana. Ilumina-nos sobre as formas de socorrer as vítimas”.
No final da segunda leitura:
“Deus da vida e da ressurreição, nós Te damos graças pelo nosso baptismo.
Estávamos votados à morte e Tu nos deste a vida, perdoaste os pecados da humanidade e apagaste os nossos.
Nós Te pedimos pelos jovens e os adultos que se preparam para o baptismo e por aqueles que reencontram a fé, após períodos de abandono. Mantém-nos no caminho de conversão”.
No final do Evangelho:
“Pai Nosso, nós Te damos graças pela oração, porque Jesus teu Filho ensinou-nos a procurar-Te, a bater à tua porta, a pedir-Te o pão e a falar-Te directamente e com confiança, como filhos a seu Pai.
Nós Te pedimos: que o teu nome seja santificado, que venha a nós o teu reino, dá-nos o teu pão de vida, perdoa, dá-nos o teu Espírito Santo”.
5. BILHETE DE EVANGELHO.
Nós não pedimos a mesma coisa a um pai, a um filho, a um amigo, a um vizinho, ao chefe da empresa. A oração dirige-se a Deus que chamamos “Pai” (“Abba” em arameu, palavra cuja melhor tradução seria “Paizinho querido”). Não se trata de pedir qualquer coisa sem mais ao nosso Pai. Jesus indica-nos os objectos do nosso pedido.
Primeiro, que Deus seja reconhecido como Deus e que o seu projecto de amor sobre o mundo seja posto em acção. Em seguida, pedimos-lhe aquilo que é vital para nós: o alimento para viver, o perdão para amar, a liberdade para permanecer de pé. Eis os pedidos essenciais. Então, não hesitemos em insistir de todos os modos: se Lhe pedimos isso, Ele não pode ficar surdo.
6. À ESCUTA DA PALAVRA.
O “Pai Nosso” é a única oração que Jesus ensinou aos seus discípulos. É também a própria oração de Jesus. “Senhor, ensina-nos a orar”. Como ensinar os outros a rezar, se nós próprios não rezamos? Jesus foi buscar à sua experiência a oração que deu aos seus discípulos. Assim, dizemos palavras que o próprio Jesus diz connosco. A sua oração e a nossa oração são uma única e mesma súplica. Jesus está sempre vivo para interceder em nosso favor. Cada dia, Jesus reza connosco a seu Pai e nosso Pai.
Hoje, coloca-se o acento numa oração de louvor e acção de graças. A oração de pedido não é tão valorizada. Porém, a oração que Jesus ensina aos seus discípulos é, antes de mais, uma oração de pedido. O verbo “pedir” aparece seis vezes na passagem de hoje (ver no Evangelho). A experiência parece dizer que os nossos pedidos não são atendidos. Mas Jesus dá-nos uma chave de leitura: é o Espírito Santo que o Pai nos quer dar, o Amor infinito. Trata-se, portanto, de pedir, antes de mais, que este Amor infinito nos modele cada vez mais profundamente, para que aprendamos a ver como Deus nos vê, a amar como Ele nos ama. Ora, entrar numa aventura de amor exige paciência, e também renúncia a nós mesmos para nos abrirmos cada vez mais ao outro. Na realidade, aí está todo o sentido da nossa vida.
Nós somos muitas vezes impacientes, ficamos no imediato, na superfície das coisas.
Deus olha o coração, vai além das aparências, numa confiança total. Caminho exigente, este que nos conduzirá para além de nós próprios, até à Casa do Nosso Pai.
7. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística I para a Reconciliação. Ela recorda, de maneira significativa, a intercessão e a mediação de Cristo, de que fala a primeira leitura.
8. PALAVRA PARA O CAMINHO…
Como se fosse a primeira vez… Como os discípulos, coloquemo-nos sem cessar na escola de Jesus para rezar. Reaprender d’Ele o sentido e a força das palavras que Ele nos deixou. Redizê-las, saboreá-las e deixar que elas nos transformem… Nesta semana, procuremos rezá-las como se fizéssemos uma primeira descoberta recebendo-as da própria boca de Jesus. Rezar o Pai Nosso como se fosse a primeira vez…

quinta-feira, 15 de julho de 2010

ROTEIRO HOMILÉTICO DO DIA 16/JUN 16º DOMINGO COMUM

Comentário Exegético – XVI Domingo do Tempo Comum (Ano C)
Epístola (Cl 1, 24-28)

AS TRIBULAÇÕES COMO NECESSÁRIAS PARA OS CRISTÃOS


AS TRIBULAÇÕES: Agora me regozijo nos meus sofrimentos por vós, e preencho as deficiências das tribulações do Cristo na minha carne em favor de seu corpo, o qual é a Igreja (24). Qui nunc gaudeo in passionibus pro vobis et adimpleo ea quae desunt passionum Christi in carne mea pro corpore eius quod est ecclesia. PREENCHO: [antanaplërö <466>=adimpleo] como significado de encher a medida, cumprir, executar, suprir, ocupar, completar. DEFICIÊNCIAS: [ysterëmata<5303>=quae desunt] a tradução de ysterëma é deficiência, ausência, necessidade, pobreza, o que falta. DAS TRIBULAÇÕES: [thlipseön <2347> =passionum] tribulação, aflição, aperto. Com o nome de tribulação [tribulation] aparece 12 vezes, aflição [afliction] nove e dificuldade [trouble] três na KJV, versão inglesa bastante confiável. Tribulações é a tradução da TEB e que mantém a oficial espanhola. Talvez, do latim passiones a tradução sofrimentos seja a que tem prevalecido na interpretação da passagem, levando o leitor a pensar que os sofrimentos da cruz eram compartidos por Paulo como uma necessidade para completar os mesmos. Mas o verdadeiro significado da palavra não é sofrimentos, mas tribulações, adversidades ou dificuldades. Cristo as encontrou durante sua pregação do Reino e Paulo sofreu muito dos inimigos do evangelho de modo que exclamou: no meu corpo trago os estigmas do Senhor Jesus (Gl 6, 17). Destas dificuldades e adversidades o próprio Jesus disse que o reino dos céus sofre violência e os violentos se apoderam dele (Mt 11, 12). E se a mim me perseguiram, também perseguirão a vós outros (Jo 15, 20). Daí que Paulo possa dizer, como verdadeiro discípulo e pregador do reino: Em tudo recomendamo-nos a nós mesmos como ministros de Deus na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias (2 Cor 6, 4). NOTA: Este texto tem sido interpretado, através da tradução latina, como uma participação direta de Paulo no mistério da paixão e morte de Cristo. Segundo S. Tomás de Aquino, a morte e paixão de Cristo têm valor total e infinito. Ela não admite uma corredenção em si mesma, mas a Igreja, como parte do corpo místico de Cristo, deve ser em tudo conforme a sua cabeça e não participará de sua glória [da correspondente à cabeça] caso não participe dos padecimentos da mesma (Rm 8, 17 e 20). Cristo já padeceu o que estava disposto nos desígnios do Pai [Consumatum est] (Jo 17, 4 e 19, 30). Falta, pois o que corresponde aos membros para se conformar à cabeça, cada um devendo assumir sua parte até que se colme a cruz individual que devemos tomar como verdadeiros discípulos de Cristo (Mt 10, 38). Somos parte desse Cristo místico que não só é esposo da Igreja, em vida comum, mas que deseja ser esposo em matrimônio místico, mas experimental, como última união de cada membro da mesma. Exatamente assim o demonstram as experiências místicas dos santos que chegam a dizer: padecer e não morrer. Deste modo, cada cruz de um membro é também a cruz de Cristo e contribui aos méritos que são parte da saúde e redenção do corpo total. É uma consequência que Paulo claramente expressa em 1 Cor 12, 26: se um membro padece todos os membros sofrem com ele e se um membro é honrado todos com ele se regozijam. Daí que, neste mundo de pecado, Maria pede em Fátima que se façam atos de penitência para a conversão dos pecadores.

MINISTÉRIO PAULINO: Da qual eu fui feito servidor em conformidade com a administração de(o) Deus a mim entregue para cumprir a palavra de(o) Deus (25), Cuius factus sum ego minister secundum dispensationem Dei quae data est mihi in vos ut impleam verbum Dei. Como sempre, Paulo, para distinguir o verdadeiro Deus dos deuses pagãos, usa o artigo determinante que temos posto entre parêntesis. SERVIDOR: [diakonos<1249>=minister] diferente de doulos [<1402>=servus] este verdadeiro escravo. Podemos dizer que diakonos era o servidor à mesa como vemos em Jo 2, 5 e 9, geralmente um homem ou mulher livre, à diferença do doulos que sempre era um escravo, ou do ‘yperetës <5257> que era o servidor real. Na Igreja primitiva, os diakonos eram os designados para o serviço material dos necessitados, dentro da comunidade (At 6, 1-6). No grego também encontramos ‘yperetës [<5257>=minister] que se traduz por serventuário ou oficial de uma autoridade, como temos em Mt 26, 58, quando Pedro entrou no pátio do Sumo Sacerdote e assentou-se entre os servidores ou serventuários como diz RA evangélica. ADMINISTRAÇÃO [oikonomia <3622>= dispensatio] inicialmente administração ou gerência de uma casa para terminar com a administração de uma empresa ou um negócio. Quando falamos da economia de Deus, podemos dizer que se trata da dispensação de sua providência com os planos de salvação dos homens, através das graças necessárias para levar ao término os mesmos. Tal Ef 3,2 e 1 Cor 9, 17 em que essa planificação passa pela cooperação livre, mas necessária, de Paulo, como apóstolo escolhido por Deus. Paulo é o instrumento de Deus para CUMPRIR A PALAVRA, ou seja, para que a palavra, como ele chama o evangelho cumpra sua missão de excitar os pagãos à penitência e conversão. Tal como era a primeira voz a ser escutada na Galileia no início da vida pública de Jesus (Mc 1, 14-15) e que Paulo reclama na sua epístola aos de Corinto: não me enviou Cristo para batizar mas para pregar o evangelho (1 Cor 1, 17). Daí que termina dizendo: eu plantei, Apolo regou, mas o crescimento veio de Deus (1 Cor 3, 6).

MANIFESTAÇÃO DO MISTÉRIO: O mistério, o escondido desde as idades e desde as gerações, mas agora manifestado aos consagrados dEle (26). Mysterium quod absconditum fuit a saeculis et generationibus nunc autem manifestatum est sanctis eius. Essa palavra [logos] exprime agora uma realidade que Paulo designa como MISTÉRIO [mystërion <3466> =mysterium]. Mistério, coisa oculta, escondida, secreta, um enigma que deve ser conhecido e manifestado. IDADES: Esse mistério é agora revelado. Paulo diz que foi escondido desde os inícios dos tempos [apo tön aiöniön<165>=a saeculis]. Aiön em latim aevum é a idade de um homem ou seu período, que pode significar também um período longo de tempo e até uma eternidade ou para sempre [eis ton aiöna].Uma frase comum é eis tous aiönas tön aiöniön [per saecula seaculorum] pelos séculos dos séculos, em que a idade se transforma em século. Apo tön aiönön é a frase atual que se repete em Ef 3, 9 e que em ambos os casos, o latim traduz a saeculis, que é traduzida por dos séculos (RA) ou com melhor conformidade com o original, no decurso das idades da TEB. DESDE AS GERAÇÕES [apo tön geneön <1074>=a generationibus]. Genea pode ser família, membros de uma família, geração que nos tempos de Jesus correspondia a um período de 30-33 anos. A frase, pois, tem o significado desde a origem [dos homens]. Esse mistério oculto agora é manifestado a seus CONSAGRADOS [agioi<40>=sanctus] a palavra agios significa reverenciado, e se diz de uma coisa que está dedicada à divindade, como o templo, que recebe o adjetivo substantivado to agion [ o sagrado] ou de uma coisa que pertence a Deus (Lc 1, 35). Os demônios falam de Jesus como sendo o agios tou theou [o eleito de Deus]. O povo de Israel era santo (Dn 7, 28), assim como os cristãos são santos; e é neste sentido que se deve tomar a acepção antes indicada.

A GLÓRIA EM CRISTO: Aos quais quis o Deus dar a conhecer. Qual a riqueza da glória deste mistério no meio das gentes: o qual é Cristo em vós, a esperança da glória (27). Quibus voluit Deus notas facere divitias gloriae sacramenti huius in gentibus quod est Christus in vobis spes gloriae. RIQUEZA DA GLÓRIA: [ploutos <4149>tës doxës <1391> =divitias gloriae]. Em singular, ploutos pode ser traduzido por abundância, embora em plural signifique preferentemente riqueza ou riquezas. A glória é majestade, poder, que neste caso é a sabedoria e conhecimento do secreto divino que se manifestou entre os gentios como resultado da pregação de Paulo. Precisamente o mistério estava concretado em Cristo, Cristo no meio dos convertidos como esperança última de vida. Num momento histórico em que a vida era tão difícil e curta, a esperança de uma vida imortal tinha ainda um sentido muito maior de se esforçar e lutar por uma expectativa que prometia uma riqueza inabalável, sem que nada pudesse eliminá-la (Lc 12, 33).

ANUNCIADO POR PAULO: O qual nós anunciamos admoestando todo homem e ensinando todo homem em toda sabedoria para apresentarmos todo homem completo em Cristo Jesus (28). Quem nos adnuntiamus corripientes omnem hominem et docentes omnem hominem in omni sapientia ut exhibeamus omnem hominem perfectum in Christo Iesu. O QUAL: Evidentemente é Cristo o anunciado por Paulo, como ele afirma em 1 Cor 1, 23: nós pregamos Cristo crucificado. Nada de justiça ou outros valores humanos; mas a cruz de Cristo era o objeto da pregação de Paulo. Essa era a sabedoria que devia salvar o mundo segundo Paulo: 1) Porque essa é a sabedoria divina que governa o mundo, pois Cristo é o poder de Deus e sabedoria de Deus (1Cor 1, 24); pois sendo a cruz loucura, é mais sensata que toda sabedoria humana e sendo fraqueza, é mais forte que toda fortaleza humana (1 Cor 1, 25). 2) Porque Ele e sua cruz são os únicos que aperfeiçoam o homem, que só encontra sua plenitude em Cristo Jesus, se tornando novo exemplo de seu modelo: o discípulo deve ser como o mestre e o servo como seu senhor (Mt 10, 24).



Evangelho (Lc 10, 38-42)

O ÚNICO NECESSÁRIO


AO SEGUIR CAMINHANDO: E sucedeu ao caminharem eles, que também Ele entrou numa vila, uma mulher, pois, de nome Marta o recebeu em sua casa (38). Factum est autem dum irent et ipse intravit in quoddam castellum et mulier quaedam Martha nomine excepit illum in domum suam. Lucas quer iniciar uma nova perícope de sua narração que tem como circunstância externa a sua viagem para Jerusalém, um marco do qual Lucas se serve para narrar diversos ensinamentos junto de alguns fatos de Jesus, ao modo como Mateus enquadra as palavras do Mestre no sermão da montanha. Eis, pois, que entra numa pequena vila [kómê] ou aldeia. A Vulgata traduz por castellum [forte ou cidadela]. Sabemos que Marta e Maria moravam em Betânia [casa das tâmaras ou palmeiras], aldeia perto de Jerusalém (Jo 11,1). Mas segundo a lógica da narração de Lucas, Jesus ainda se encontrava na Samaria, ou no máximo perto de Jericó, ao qual chegamos no final do capítulo 18 (18,33). Porém, pelos relatos de Marcos, Mateus e João, sabemos que Betânia estava a poucos quilômetros de Jerusalém. O próprio Lucas em 19, 29 dirá que Betânia estava junto ao monte das Oliveiras. E era em Betânia onde Marta tinha sua casa (Jo 11,1), na qual se hospeda Jesus (Lc 10, 38). Vemos como, cronológica e geograficamente, Lucas está fora da realidade histórica. Não lhe interessa esse marco narrativo e prefere a perspectiva catequética ou lógica, sem que desvirtue fatos e ditos. Por isso, os seus escritos são cópia da realidade, vivida como anúncio, pelas suas fontes. MARTA: O nome Marta significa Senhora ou Dona, forma feminina do substantivo aramaico Maré [=senhor]. Parece que era nome usual na época entre os judeus; nome que podemos ler nos papiros egípcios e num ossário [urna que contém os ossos dos mortos] no distrito nor-oriental [lugar do cemitério] de Jerusalém. Quem era Marta? Certamente irmã de Maria (Lc 18, 39 e Jo 11, 1) e Lázaro (Jo 11,2). Supostamente, era a mulher de Simão, o leproso (Mt 26,6 e Mc 14, 3), pois é no jantar oferecido por ocasião da ressurreição de Lázaro (Jo 12, 1) que Marta, como dona de casa, servia (Lc 10, 28; 40). Parece que este jantar não é diferente do oferecido na casa de Simão, o leproso, e que é narrado por Marcos em 13, 3-9 e Mateus em 26, 6-13. Sabemos que os relatos evangélicos são incompletos, breves resumos do que na realidade aconteceu. Por isso, com os indícios de Lc 10, 38-42, podemos supor que o banquete de Lucas na casa de Marta era o mesmo que o banquete de Mc, Mt e Jo da unção em Betânia, na casa de Simão, o leproso (Mt 26 e Mc 14). Já é um indício forte a afirmação de Lucas que Jesus estava como hóspede na casa de Marta. Naqueles tempos, como uma mulher podia ser considerada dona de casa quando o marido, o filho mais velho ou o irmão, eram os que tinham a propriedade? Só se Simão fosse um leproso que devia estar fora do convívio familiar e mais tarde foi curado. Não estando morto ainda era o dono; mas não podia tomar conta da casa que era deixada aos cuidados da mulher. Não se devia a cura a um favor de Jesus, que assim se torna hóspede, na viagem para Jerusalém dos proprietários da casa? Tudo isto se combina com Jo 12, 1 que afirma que ofereceram um jantar a Jesus em Betânia em que Lázaro ou Eleazar [Javé o ajudou] estava à mesa e Marta servia. A palavra parece indicar que, como dona de casa, Marta se encarregava do serviço, como diz Lucas no trecho de hoje (38). De todas as formas, admitimos que o caso de hoje poderia ter uma circunstância diferente, como um banquete de sábado entre o grupo [collegium] de fariseus do qual Simão formava parte.


MARIA: E lá, estava uma irmã, chamada Maria, a qual também, sentada aos pés de Jesus, escutava sua palavra (39). Et huic erat soror nomine Maria quae etiam sedens secus pedes Domini audiebat verbum illius. O nome em grego é MIRYAM ou Marianne, de significado escuro. Nada tem a ver com a Madalena de Lc 8,2 de nome também Maria, que Lucas, no caso de Nossa Senhora seguindo os setenta, chama de Mariam. É um nome cananeu de origem ugarítico [mrym] cujo significado próprio é altura, cume. Como nome de mulher tinha uma certa conotação de excelência. No trecho de hoje, Lucas a descreve como sentada junto aos pés do Senhor (39), que era a postura característica do discípulo ao ser ensinado (Lc 8, 35). Ou como foi educado Paulo aos pés de Gamaliel para aprender a observância exata da Lei [Torah]. Maria, pois, como discípula, escutava a palavra [instruções, recomendações], pois logos significa tudo isso.


KYRIOS: Marta, então, estava ocupada pelo muito serviço. Tendo-se, pois, apresentado disse: Senhor, não te importas de que minha irmã deixe de servir? Diz-lhe para me ajudar (40). Martha autem satagebat circa frequens ministerium quae stetit et ait Domine non est tibi curae quod soror mea reliquit me solam ministrare dic ergo illi ut me adiuvet. KYRIOS: É o título que com maior frequência se atribui a Jesus. Com o artigo o Kyrios, o Senhor, ou sem o artigo. Não é nome próprio, mas título, atribuído a Jesus como a Deus. O título de Kyrios a Deus tem origem nos Setenta; porém, nos antigos manuscritos gregos parece que se conservava o nome Yahweh com caracteres hebraicos, como afirmam Orígenes e Jerônimo, no seu tempo, de certos manuscritos gregos. Parece que no chamado terceiro estágio do cristianismo [primeiro de promessa, segundo de Jesus e terceiro da Igreja], esta última, segundo Paulo, poderá afirmar que para nós não existe mais do que um Deus, o Pai, de quem procede o Universo e a quem estamos destinados nós; e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem existe o Universo e por quem existimos todos nós (1Cor 8, 6). Por outra parte, o Judaísmo pré-cristão referia-se a Deus com o nome de Adon (daí o Adonai=meu Senhor) e em aramaico Maré ou Marya (daí o nome de Maria) e a expressão de Marana tha [Senhor, vem] (1 Cor 16, 22). Atualmente na recitação do Shemá, no lugar de Javé, para não pronunciar o nome santo [Hashem], eles recitam Adonai e traduzem ao português por O Eterno: O Eterno é nosso Deus, o Eterno é único. Atualmente também no lugar de Adonai recitam Hashem com esse significado de Eterno. Por isso a primeira profissão de fé é Jesus é o Senhor (1Cor 12, 3). O título de Kyrios é atribuído a Jesus após sua ressurreição, como diz Pedro: Deus constituiu Senhor e Cristo [Messias] a este Jesus a quem vós crucificastes (At 2, 36). O título de Kyrios passa pois, de Deus [o Javé de Israel] a Jesus na sua condição de ressuscitado, mas para o fim de ser o Rei Salvador, como o anjo anuncia aos pastores: Nasceu-vos um Salvador, o qual é Messias Senhor.(Lc 2, 11). A DIAKONIA: No grego temos diversas palavras que definem o serviço: Doulos escravo, que sendo doméstico recebia o nome de oiketes. Diakonos, criado, destinado a certos serviços especiais como o serviço da mesa. Yperetes um subordinado, inicialmente um submetido ao trabalho do remo. Finalmente o Therapôn, um temporário para um determinado serviço. Como vemos, Marta servia à mesa. Era a que cozinhava e preparava a mesa com velas, divãs, talheres e toalhas correspondentes. Nestes afazeres estava muito preocupada a nossa protagonista. Era o banquete que queria fosse particularmente especial para um hóspede que desejava agradar do fundo da alma porque a ele devia a vida do irmão e talvez a cura do esposo. Esse serviço era próprio das mulheres, enquanto os homens estavam reclinados no triclinium, ou mesa baixa disposta em forma de U, de modo que os serventes podiam entrar pelo centro para servir os comensais, individualmente.


MARTA, MARTA: Tendo respondido, então, disse-lhe Jesus: Marta, Marta. Estás preocupada e turbada por muitas coisas (41). Et respondens dixit illi Dominus Martha Martha sollicita es et turbaris erga plurima. Marta se queixa a Jesus de que sua irmã não a ajuda nos afazeres da casa. A resposta de Jesus é uma chamada de atenção que implica carinho e suave reprimenda: não espero de ti que te empenhes em fazer tantas coisas que não são convenientes ou razoáveis. Por que te empenhas em realizar tantas coisas ao mesmo tempo e te angustias por isso? Uma só coisa era a necessária como consequência de minha visita. E sabes? Tua irmã Maria a escolheu como quem escolhe o melhor. É por isso que eu não vou repreendê-la, nem tirar dela essa atitude que é a mais adequada neste momento.

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A PORÇÃO: Porém, uma só coisa é necessária. Maria, pois, escolheu a boa parte da qual não será retirada dela (42). Porro unum est necessarium Maria optimam partem elegit quae non auferetur ab ea. Qual é essa parte ou porção que fez de Maria a mais sábia na sua escolha? Sem dúvida a de receber Jesus como Mestre e não como hóspede. Como hóspede, a atitude de Marta estaria plenamente justificada e poderia ser absolutamente aplaudida: ótimo. Ele merece a melhor e a mais abundante de minhas viandas. Mas recebê-lo como mestre significa, antes de tudo, ouvi-lo como palavra de vida e escutá-lo para aprender a realizar uma existência em plenitude da verdade. É se tornar discípula e não simples hospedeira. E nesse ponto, Maria estava com a força da razão que proporciona a verdade. Escutar Jesus como Mestre é o primeiro e principal dever de todo aquele que quer se tornar seu discípulo.

PISTAS: 1o) No contato com Jesus, qual é a coisa principal, ou como diz o evangelho, o necessário? Em toda vida existem momentos de escolha. Por que escolhemos, que escolhemos, qual é a norma-guia para a escolha? O Evangelho é uma proclamação e um anúncio de modificação de conduta e de fé comprometida (Mc 1, 15). Quem o ouve e quer que se torne existencial na sua vida, se torna discípulo, deixa tudo diante do segue-me. As parábolas do tesouro escondido e da pérola (Mt 13, 44-46) confirmam a periferia dos outros projetos humanos. O tesouro e a pérola significam o Reino, exemplificado no próprio Cristo. Por isso Jesus passa da perspectiva da refeição [pouca coisa é necessária, segundo alguns códices] ao único é necessário: A pessoa do Filho do Homem [o Verbo como homem] é o principal, pois dentro do Reino a figura de Jesus é tudo: o único que transforma em realidade interior de vida e salvação o que aparentemente era um fato social externo.

2o) Jesus define-se Mestre da Verdade que com Ele se identifica. Por isso Maria, sentada aos pés de Jesus, se identifica com o verdadeiro discípulo. No filme A paixão de Cristo de Mel Gibson, Cláudia, a esposa de Pôncio Pilatos, diz estas palavras: Si non vis audire veritatem, nemo tibi dicere potest. Cujo sentido é: Se não estás disposto a ouvir a verdade, ninguém a poderá dizer a ti. Em todas as ordens, a verdade é a maior vítima. Ela é unicamente escutada quando estamos dispostos a ouvi-la, mesmo que atinja negativamente nosso bem-estar e nossa comodidade. Jesus não a impõe mas deixa a cada um de nós que busquemos e encontremos a resposta certa como fez com o jurista no evangelho do domingo passado. Por isso, S. Agostinho só se converteu quando a voz da verdade chegou a ser mais forte que a voz de suas paixões.

3o) Todos temos que receber Jesus como hóspede. Como? Paulo o declara em duas passagens de suas cartas, que lembram o trecho de hoje. a) Pela palavra: A palavra de Cristo habite em vós ricamente (Cl 3, 16). b) Pela fé e o amor: pois Cristo deve habitar pela fé em vossos corações para que sejais arraigados e fundados em vosso amor (Ef 3, 17): A riqueza da palavra só pode ser descoberta pela fé e unicamente será o amor que a fará frutificar.

4o) A escuta da palavra não se dá unicamente através da leitura da Bíblia, mas nos fatos da vida, no apelo dos necessitados (Mt 25, 35+), no anúncio dos que pregam a paz (Is 52, 7); pois quem vos escuta a mim ouve (Lc 10, 16).

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Areópago moderno?
Será este blog um Areápago Moderno?
O que no diz Atos 17, 16-21

Enquanto Paulo os esperava em Atenas, à vista da cidade entregue à idolatria, o seu coração enchia-se de amargura.

Disputava na sinagoga com os judeus e prosélitos, e todos os dias, na praça, com os que ali se encontravam.

Alguns filósofos epicureus e estóicos conversaram com ele. Diziam uns: Que quer dizer esse tagarela? Outros: Parece que é pregador de novos deuses. Pois lhes anunciava Jesus e a Ressurreição.

Tomaram-no consigo e levaram-no ao Areópago, e lhe perguntaram: Podemos saber que nova doutrina é essa que pregas?

Pois o que nos trazes aos ouvidos nos parece muito estranho. Queremos saber o que vem a ser isso.

Ora (como se sabe), todos os atenienses e os forasteiros que ali se fixaram não se ocupavam de outra coisa senão a de dizer ou de ouvir as últimas novidades.

Quem sou eu

Sacerdote Católico desde 1994 - Pro-paroquia Nossa Senhora Aparecida - Arquidiocese de Uberba - MG

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